Realizada há uma semana, a 4ª edição do Desafio Delta do Parnaíba - Ultra, prova no formato multiday race, foi muito mais um evento esportivo.
Senta
que lá vem estória...
NASCE
UM DESEJO
No
final do ano passado tomei conhecimento do Desafio Delta do Parnaíba
através da super campeã Alanna Kécia, com sua animadora
apresentação:
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Cada ano é pior... mas é uma prova belíssima, com uma organização
impecável, vale muito você conhecê-la.
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Allana, (tetra-campeã da competição) "metendo" dança, pouco depois de correr e vencer os 50k |
Buscando
informações com Rodrigues (amigo que havia acabado de participar do
nosso Projeto Capitais Nordestinas em Maratonas) recebi novamente a
informação de que era uma prova imperdível e que a galera
ludovicense desceria em peso para o Delta.
Apaixonado
pelo piso onde majoritariamente se desenrolaria a prova (dunas, areia
fofa, areia de praia, manguezais, rios), as fotos do evento só
ajudavam a aguçar ainda mais o desejo de ir brincar no Piauí.
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As imagens desta postagem foram gentilmente cedidas pela Organização/Adrena Photos |
Pois
bem, o copo já estava cheio, mas seu transbordamento mesmo se deu
quando conheci Luciano Uchôa, o líder da organização do Desafio
Delta do Parnaíba.
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Luciano no Porto das Barcas (entrega de kit, cerimônias de premiação, show e kit) |
Em
um cenário desafiador (independente da distância principal
escolhida: 17k, 30k ou 50k), a prova, como Uchôa bem diria noutro
momento, “poderia ser anunciada de várias maneiras, afinal, o
Delta do Parnaíba seria palco de um evento inédito, de alta
envergadura e logística ultracomplexa, dignas das grandes provas
espalhadas pelo mundo”. No entanto, o que ele incansavelmente
“vendia” eram as possibilidades de correr no terceiro maior delta
oceânico do mundo, em paragens a que nem mesmo os turistas tinham
acesso, a valorização da arte regional / local, a integração
entre as comunidades e entre seus habitantes e os atletas.
Gota
d´água, admiração instantânea, esse enfoque na experiência
cultural, sensorial, geográfica, emotiva, o Desafio Delta do
Parnaíba - Ultra ganhara meu coração.
A
INSCRIÇÃO
Creio,
se não estiver sendo traído pela memória, que é a primeira vez
que falarei aqui nesse blog sob o momento da inscrição, mas como
esta postagem porventura poderá ajudar corredores que pretendam
participar das próximas edições da competição, registremos o
alerta.
Entre
o sentimento de “quero isto pra mim” e o “agora tô dentro”
passaram-se meses.
Providencialmente
(naquela conversa inicial com Allana) fui informado que as inscrições
acabavam super-rápido, pois a Organização, de forma
conscientemente ecológica, disponibilizava apenas cerca de 400
vagas.
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Alanna, entre a rapaziada, para vencer também o prólogo de 14km da Pedra do Sal ao Porto dos Tatus |
No
dia marcado para a abertura das inscrições, pasmem, em 15 minutos
atingiu-se 100% da capacidade!
Estar
com o “dedo no gatilho” foi parte fundamental nesse caminho para
transformação do sonho em realidade.
Mais
adiante precisaríamos enviar um Atestado Médico assinado por um
Cardiologista, mas essa já é uma etapa comumente vista em provas
deste quilate.
A
PREPARAÇÃO
“Toda
pessoa sempre é a marca das lições diárias de outras tantas
pessoas” - Gonzaguinha
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Com Manoel, Naldo, Lourenço, Pataro e Josenilton numa das simulações de prova |
Antes
de seguirmos para a narrativa da prova em si, é preciso fazer uma
justa homenagem a todos os amigos que fizeram parte dessa preparação,
aquela turma que, mesmo sem ter em seu horizonte competitivo uma
prova semelhante, sempre faz questão de ajudar, brincar, acompanhar
e experimentar as coisas, treinos e circuito que, como dizia minha
mãe, “estuciamos”.
Ninguém
chega a lugar algum sozinho. Agradecer sempre a Deus, ao Mestre
Marcelo Augusti e a todo bom pensamento.
A
VIAGEM
Após
muita lives e postagens da Organização, deixei Salvador decidido a
desfrutar ao máximo o Desafio Delta do Parnaíba - Ultra.
Explico:
inscrito na distância de 50 km da prova principal, que se realizaria
no sábado pela manhã nas Ilhas Canárias, tínhamos (os atletas de
todas as distâncias) a possibilidade de também participar da prova
de 14 km, dos quais 8 km eram de Dunas, nomeada de Prólogo, que
ocorreria no fim do dia da quinta-feira, na ilha Grande de Santa
Isabel.
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Prólogo - largada 17h - possiblidade de ver pôr de sol e nascer da lua cheia na mesma prova |
A
etapa não era obrigatória, mas teria premiação (geral e
categoria) específica na sexta-feira, dia reservado também para
recovery com fisioterapeutas e briefing da prova
principal.
Corredor
competitivo, meu primeiro raciocínio foi guardar-me para a prova
principal, mas novamente fui contagiado de maneira decisiva pela
emoção transmitida pelo apaixonado Uchôa.
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Cisco Risco Teresina - performances em meio às Dunas |
O
horário de largada, marcado para as 17h, não foi mero acaso. A
intenção da Organização era proporcionar aos atletas a incrível
experiência de, numa mesma prova, ver o pôr do sol e a lua cheia,
esta com previsão de nascer às 18h20, aquele se despedindo, em sua
viagem para o oeste, às 17h40.
Para
completar, na mesma noite seríamos agraciados com o Festival Delta
Jazz, onde finalmente poderíamos rever o ídolo Mestrinho, além de
conhecer os maravilhosos Sandro Haick e Jazz no Fole.
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Sandro Haick e Mestrinho. |
Não
era um “deixar de lado a competitividade”, mas também não dava
para abrir mão de tantas possibilidades por conta dela.
“Queremos
tudo!” Foi assim que chegamos à simpática cidade de Parnaíba.
AS
COMPETIÇÕES
Prólogo:
Ilha Grande – 14 km
De
carona com o casal Sebastião e Sônia, atletas que também estavam hospedados na Pousada
Beira Rio, após a Ponte Simplício Dias, no Porto das Barcas (local
onde ocorreriam a entrega dos kits e as premiações) tomamos a
direção da Praia da Pedra do Sal, famosa pelo seu belíssimo pôr
do sol.
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o casal maranhense Sebastião e Sônia |
Às
17h, na hora programada (com a louvável precisão que ocorreu em
toda a diversa e complexa programação do Desafio), após uma
apresentação local com músicas da Axé Music, partimos atrás do
carro-madrinha que nos levaria por cerca de 1 km até a saída do
asfalto, quando só então poderíamos ultrapassá-lo e iniciar a
competição que findaria no Porto dos Tatus.
Na
teoria, nosso carro-madrinha deveria fazer esse trecho a 10 km/h
(pace 6'/km). Crédulo, programei-me para usar esse primeiro
quilômetro como aquecimento e posicionei-me tranquilamente aguardando a largada.
Quando
me dei conta, a “supermáquina” já estava bem adiantada, e mesmo
correndo a 4'10/km não conseguia diminuir a distância para os
ponteiros.
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Turma da ponta passado por Enaldo Freire e seu sax |
Contando
uns 30 atletas à frente, entrei no trecho de praia que levava à
estrada das eólicas. Ali, primeira surpresa das muitas que viriam
pela frente, o som do sax de Enaldo Freire preenchia e compunha o
belo cenário daquele final de tarde.
Na
entrada das Dunas, por volta do km 4,5, tirando dos pés o tênis,
paulatinamente fui melhorando a colocação.
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Levantando areia depois de uma breve parada para "xaxar" com a banda Torca Regional |
No
sobe e desce das montanhas de areia, íamos nos deliciando com as
inusitadas aparições de artistas do Circo Risco de Teresina, bem
como do delicioso forró do excelente Grupo Torca Regional (não
resisti a uma breve parada para um xaxado em círculo).
Tudo
isso dourado por um inesquecível pôr de sol, rente às dunas a
nossa frente, como se fosse um portal, pórtico da nossa chegada.
Um
olho nas belezas, outro na competição, na passagem pela marca de 11
km, com o aproximar dos quilômetros finais da prova, já entendia
que não conseguiria alcançar os ponteiros, que seguiam muito à
frente.
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Pedro Henrique seguindo com passos firmes para a vitória masculina no Próloogo |
Apesar
de não ser a prova principal, não estava nos planos poupar esforços
naquela etapa. Verdadeiramente, acreditava que poderia brigar um
pouco mais na frente, mas devido às circunstâncias, a partir dali
comecei a pensar nos 50k, que aconteceriam dali a cerca de 36h.
Foi
bem por esse momento que percebi a aproximação de um atleta. Fora
da briga pelo pódio geral, com uma pouco usual olhada para trás,
rapidamente conferi que não era nenhum “velhinho” (rs).
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Lucas Lima levantando "poeira" |
Em
breve já estaria no habitual “converseiro” com Lucas Lima,
atleta que me alcançara e estava brigando na categoria 30/39. Juntos
fomos até o momento em que, aproveitando o último monte de areia
antes de entrar na cidade, sentei-me para devolver aos pés os tênis.
Em
ritmo forte e guiados pelos staffs logo cruzaria, em 8º
lugar geral (campeão da categoria 50/59), o pórtico de chegada.
Ali
reencontrei Lucas, que se desculpava por não haver me esperado para
fazermos juntos os metros finais. O sentimento de camaradagem,
iniciado durante a competição, naquele momento, com aquele gesto
cavalheiro, ganhava um upgrade..
A
cada chegada a festa ia aumentando e a resenha do carro-madrinha
necessitando de uma revisão no velocímetro nos provocou boas
risadas.
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Com as meninas voadoras Tatyana (MA), Alanna (CE), Drica e Norma (PI) |
Para
os que chegaram na frente não houve tempo de ver a lua cheia nas
Dunas. A grande maioria, porém (350 atletas correram o Prólogo),
pode desfrutar do plenilúnio, bem como de uma queima de fogos
naquela mágica noite na Ilha Grande de Santa Isabel.
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Com Lucas e Wernek |
Prolongar
a estada naquele local tão cheio de energia seria a coisa mais
natural do mundo, mas a lembrança do show de Mestrinho & Cia
fez-me lembrar que precisava arranjar uma forma de retorno a
Parnaíba, 11 km distante dali, para saborear o Delta Jazz Festival.
No
hotel, já de saída para a Marina Velho Monge, reencontrei Sebastião
e sua esposa. Ambos “reclamando” por terem ficados em 4º lugar
em suas faixas etárias e, desta forma, fora do pódio, do que
acabariam se “redimindo” nos 17k da prova principal.
Poucos
atletas foram curtir o show, mas a VM Marina Club estava lotada.
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Com Mestrinho |
Sem
vaga para sentar e ser atendido com algo que alimentasse o corpo,
encontramos um cantinho (coincidentemente perto da mesa onde estava a
turma da Torca Regional) e ali, alma refestelada, deixamo-nos ficar
até o soar dos últimos acordes.
Principal:
Etapa das Canárias – 50 km
Deixamos
a deserta cidade de Parnaíba às 4h45 da manhã.
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Porto das Barcas e a ponte Simplício Dias da Silva |
Ancorado
no Porto dos Tatus, o Catamarã Camaleão aguardava os atletas dos 50
k para partir em sua viagem de cerca de 50 minutos até a Ilha das
Canárias.
Em
nosso destino, fomos alegremente recebidos por uma banda local.
Viagem de barco,
recepção festiva numa comunidade... a lembrança da
Jungle Marathon foi inevitável.
Em
breve seríamos levados para
o pórtico de largada, onde o carro-madrinha
(desta vez um quadriciclo)
sairia novamente por
cerca de 1 km sem que pudéssemos
ultrapassá-lo.
Ressabiados
com a experiência no Prólogo, tratamos de seguir mais de perto o
pelotão dianteiro. Ao
soar
a buzina do “agora é pra valer”, nosso carro-madrinha
postou-se
à margem da estrada.Naquele
mundaréu de areia
fofa, antes mesmo de completar o segundo quilômetro, o velho
tênis já
havia saído dos pés
para a frente da mochila.
Familiarizado
com a turma devido à
convivência desde a quinta-feira, já
reconhecia, entre os aproximadamente
9 atletas que seguiam
à
minha
frente, fortes candidatos à
vitória.
Na
chegada ao
primeiro posto de hidratação (km 9,7) fui
avisado que apenas um corredor passara
por ali antes.
Somente
quando estava chegando ao
segundo posto de hidratação (km 18,5) é que fui avistar o atleta
que seguia à
frente, mas nem deu tempo de comemorar, num relance,
reconheci,
a aproximar-se, Lucas
Lima.
Deixando
o local de hidratação e controle antes dos dois atletas,
liderei
a prova por cerca de 1
quilômetro.
Nas
Dunas do Morro do Meio, Lucas
me alcançaria.
Ali, após uns instantes
de hesitação, primeira
e única vez em todo o
evento, avistei
as bandeiras de orientação. Trocadas
algumas palavras de incentivo mútuo, lentamente
o amigo foi se
afastando.
Alternando
areia e vegetação
nativa (gramínea e
plantas rasteiras),
alcançávamos
uma lagoa em que a água
estava batendo no peito, um irresistível convite a banhar-se durante
a passagem.
Na
altura do km 28 atingíamos a Barra do Caiçara, onde nos aguardava
um canoeiro, que nos levaria até a outra margem.
Enquanto
fazia a travessia, seguindo o plano traçado, finalmente devolvi aos
pés os tênis retirados no começo da prova.
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Deixando a canoa com os tênis nos pés |
Não
era um bom momento, perceberia logo depois. Contava com a areia dura
da maré baixa dali até o final da prova, mas até sair do rio e
alcançar a praia ainda havia uma distância considerável.
Para
piorar as coisas, 02 atletas acabavam de atravessar a Barra do
Caiçara.
Durou
uma eternidade até chegar à beira-mar. Dali, a ordem era seguir em
frente até o final.
Em
teoria, chegáramos
à
parte “mais fácil” da prova, porém
uma ventania ensurdecedora,
vinda em sentido contrário, logo nos traria de volta à realidade.
Breve
eu seria
alcançado por um dos
atletas que acabaram
de atravessar o rio. “Vamos, Grande!” – falou Elton
(descobriria
seu
nome depois). Não
lembrando de tê-lo visto antes, devolvi
o educado cumprimento.
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Elton Lima - que viria a ser o vencedor dos 50k |
Por
cerca de 2 km peguei
carona com ele
que, pés descalços, seguia
em excelente ritmo, a despeito do vento sem tréguas.
Mais
que tentar conservar a segunda colocação, naquele momento em que
surgia a ameaça de ficar fora do pódio geral, meu objetivo era
abrir uma dianteira do atleta que vinha na 4ª colocação.
Logo
Elton começou a sumir lá na frente. Suas
passadas consistentes
fizeram-me crer (o que
se confirmaria depois) que ele ainda poderia vencer a prova.
Mantendo
a terceira colocação, alcancei o posto de hidratação (km 35).
Enquanto
repunha água nas garrafas, aproveitei para dar uma olhada e saber se
estava sendo seguido de perto. Entretanto, a mistura com a turma dos
30 k tornava muito difícil a missão de identificar “o inimigo”.
Buscando
correr da forma mais concentrada possível, pensava um quilômetro de
cada vez.
A
nova
meta era
manter a dianteira até o km 41, último PC antes do pórtico de
chegada, o que
consegui, verdadeiramente
lutando para não ceder à tentação de ouvir a canção do vento,
que parecia dizer “pra que tanta pressa, pra
que tanta pressa” (rs).
Ali
reencontrei
a Fisioterapeuta Lorena, com quem havia
feito o
recovery
após a chegada da prova da quinta à
noite.
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Lorena e sua equipe de fisioterapeutas - na viagem de barco junto com os atletas |
Enquanto
me ajudava com a reposição de água e um gole de refrigerante,
Lorena, como que inspirada, avisou: “Cuidado com o mangue, é bem
perigoso lá e pode machucar os pés”.
45,
46, 47... a Odisseia
estava chegando ao fim.
Correndo
entre os 03 primeiros desde o km 8, era hora de dar o máximo para
não arriscar “a morte na praia”. Então, lá se foram os tênis
para a frente da mochila de novo.
Como
que num passe de mágica,
surgiu à
nossa frente um emaranhado
de raízes na areia da
praia, um mangue à beira mar: A Floresta Encantada!
Quase
que de forma imediata, julguei
ter visto Lucas em meio ao mangue.
Na resenha do banho de rio descobriria
que havia sido ele mesmo: “Rapaz, ia já meio quebrado, conversando
com um amigo, quando olhei pra trás e vi você. O
susto foi tão grande que cheguei correndo abaixo de 5’/km”.
Com
5h e 29 minutos, feliz com
a vitória alcançada,
cruzei,
em terceiro lugar geral, o pórtico de
chegada.
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Pódio masculino Geral: Elton Lima, Lucas Lima e Roberto Encarnação |
Com esse tempo
nos 50 k, na soma dos resultados das duas provas (14k + 50k), tive o
privilégio de sair do Piauí como vice-campeão geral do DesafioDelta do Parnaíba – Ultra.
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Na Premiação Geral do Desafio - com Elton (6h43) eu (6h46) e Marquezan (7h03) |
VALEU
MUITO A PENA
Com leveza,
alegria e eficiência, os organizadores do Desafio Delta do Parnaíba
entregaram tudo que prometeram. Um evento pra ficar gravado para
sempre nos corações de todos os atores envolvidos nesses 03 dias
inesquecíveis!
Axé!
Fotos do retorno via Paracuru
outras fotos do prólogo Ilha Grande de Santa Isabel
Um pouco mais do 50k...