Foram apenas
Havia acabado de acertar os últimos detalhes com a "titia" Lalá, que me daria um apoio de carro (marcando os quilômetros e entregando água) nos 15 km entre o Jardim de Alah e Stella Maris, quando vi a nossa campeã se aproximando num ritmo que aparentava ser 4'/km. Gritei-lhe que iria pegar carona naquele seu "trote" e, em resposta, recebi um sorriso acompanhado de um sinal de positivo. Bastou para que, cheio de entusiasmo, acionasse o cronômetro e desse início à viagem.
E de que outra forma poderia ficar por correr ao lado de uma mulher que tantas vezes, mesmo sem saber, já esteve presente na vida desse ilustre corredor anônimo que vos escreve?
No dia 28 de janeiro de 2007 (17 dias após minha estreia em competição) participei da 1ª Meia Maratona da Cidade de Maceió. Desde então já adotava a estratégia de correr bem tranquilo ao experimentar uma nova distância, o que me levou a gastar 1h55min na capital Alagoana para cumprir os 21,1 km e apenas na cerimônia de premiação é que descobri os vencedores: no masculino, Enio Kleiton de Lima, corredor de Garanhuns e no feminino uma menina bem magrinha, que sambava alegremente, esbanjando simpatia e simplicidade em cima do pódio.
Ao ser entregue o troféu o MC começou a fazer referências ao fato de que a vencedora, Marily dos Santos, era uma alagoana radicada na Bahia e isso foi a gota d’água. Tal qual uma criança que vai a um estádio pela primeira vez e torna-se torcedor do time que ganha o jogo naquele dia, instantaneamente tornei-me fã daquela alago-baiana.
Menos de dois meses depois, quando fui correr meus primeiros 25 km em Aracaju, tornei a vê-la no lugar mais alto do pódio. Muitas outras vezes voltei àquela corrida e as cenas sempre se repetiam, alegria, simplicidade, competência e pódio.
Em 2008 Marily foi a nossa única representante feminina na Maratona de Pequim. O índice A veio na Maratona de Santa Catarina “num dia de muita chuva em que não dava nem para enxergar o relógio”, somente no final é que ela viu que o carro-madrinha marcava o tempo que carimbou seu passaporte para a China: 2h36min21.
Alguns dias depois da Maratona de Santa Catarina viajei para Juazeiro para correr a Meia Maratona Tiradentes. Todos estavam felizes com o índice conquistado pela alagoana mais baiana do mundo, mas a expectativa geral é que ela não fosse defender os vários títulos consecutivos naquela cidade, dada a proximidade do seu grande feito em Florianópolis.
Engano geral: Marily apareceu. Todos foram parabenizá-la. A mim, enquanto tirávamos uma foto juntos me disse: “Vim correr hoje aqui só para brincar. Todo mundo viu o que eu fiz lá em Santa Catarina.. .”. Pobre das meninas que acreditaram naquele discurso. Ela venceu mais uma.
Numa outra ocasião, em uma corrida em Jacobina, ao sair do hotel deparei-me com a grande campeã. Seguimos juntos e novamente ouvi dela a mesma estória de que tinha ido ali apenas “brincar”. Ri, enquanto trotávamos até o local da largada, dizendo que não acreditava mais nela depois do episódio de Juazeiro. E é claro que ela não cumpriu o prometido e levou mais um troféu de campeã para casa.
Em 2008 fui a São Paulo correr minha primeira e até hoje única São Silvestre. Enquanto eu sofria para desvencilhar-me daquele mundo de placas e corredores fantasiados, nossa famosa baixinha voava lá na frente conquistando o terceiro lugar na prova, para alegria de todos.
Em 2009, a vigésima 10 Milhas Garoto, corrida realizada no dia 16 de agosto entre Vitória e Vila Velha no Espírito Santo, faria com que novamente nos reencontrássemos fora de Salvador. E mais uma vez, para delírio deste baiano, Marily foi chamada ao pódio como segunda colocada geral. Coube-lhe ainda receber um carro 0 km por ter sido a melhor brasileira da prova.
15 dias depois voltaríamos a nos encontrar no Circuito Brasil de Meia Maratona – Etapa Maceió. E foi bem engraçado nosso encontro. O sistema de som avisava que a largada feminina estava prestes a ocorrer, e eis que Marily, que ganhara a primeira etapa deste Circuito (em Salvador), surgiu inesperadamente à minha frente, saindo de um banheiro químico masculino, bem no momento em que eu estava para abrir a porta. Nem sei se me reconheceu, só sei que ela olhou para mim e largou em minha mão um resto de banana e uma garrafa com um líquido esverdeado enquanto gritava que estava atrasada. Fiquei rindo atônito enquanto pensava: “Será que comendo estes negócios eu posso correr igual a ela?”
Em novembro último Marily cruzou a linha de chegada da Maratona de Frankfurt, fazendo a sua melhor marca pessoal com o expressivo tempo final de 02h35min32, praticamente igual ao da vencedora da última Maratona do Rio (que estava com um nível técnico altíssimo) e suficiente para vencer a mais recente Maratona de São Paulo.
Nesse último domingo Adriana Aparecida da Silva conseguiu em Tóquio o tão almejado índice para a Maratona de Londres e até abril ficaremos na torcida para que Marily também consiga atingir a difícil e apertada marca de 2h30min07 exigida pela CBAt para a Maratona Femina (a marca para a IAAF continua sendo 2h37min00).
No sábado, depois de nossa separação no estacionamento do Aeroclube, local onde nossa campeã se deteve por ter encontrado com sua Equipe de Corrida, enquanto as pernas assumiam a parte pesada do trabalho, corri com o pensamento entregue a estas doces lembranças e completei o treino em 01h01min30.
Super feliz com o "encontro" e com o tempo obtido, levando em consideração que era um dia cheio de gente para desviar e calçada para subir e descer toda hora, ao chegar em Stella ainda fui fazer um trote de 20 minutos com a tia Lalá para que ela pudesse completar seu treino iniciado na grama do Jardim de Alah enquanto eu me preparava para a largada.
Bons treinos!
Bons treinos!