No meio do caminho das Eleições 2014 tinha uma
Maratona.
Tinha uma Maratona no meio do caminho.
Havia pedras,
Meu Deus! Como havia pedras nestes 42,2km da Chapada!
E veio enfim o final de semana da Maratona de Igatu e, com
ele, o momento de colocar à prova os treinos feitos aqui em Itabela. Se conciliar
esporte e trabalho nestes dias corridos de Eleição já exigira bastante esforço,
cobrir os 1.000km que separam as duas cidades e chegar a tempo de participar da
competição já merecia, modéstia à parte, por si só, uma medalha.
Acho até que dava uma estória a tal viagem, mas preciso
conter a comichão não mãos (afinal estamos entre o 1º e o 2º turno das Eleições)
e levá-los até o momento em que comecei a subir os 7k de estrada de pedra, quando
deixei a BA-142 no trecho Andaraí - Mucugê.
Fazia mais de 20 anos que não visitava Igatu e tão logo
iniciei a íngreme subida, apesar da ameaça da escuridão que se aproximava, não
resistindo a tanta beleza, busquei entre minhas tralhas de corredor a máquina
fotográfica para registrar aquele momento.
Preparando-me para fazer a foto avistei uma placa de
quilometragem da Organização da Maratona da Chapada: Corridas de Montanhas.
Vinha bastante cansado da viagem e um pouco resignado de que o máximo que
poderia almejar naquela prova era completá-la, mas foi incrível como aquela
visão imediatamente me trouxe para o clima de competição.
O marasmo saiu, a foto não. A guerreira, minha boa e
velha câmera, parceira de tantas viagens de treino e competição, partira para o
céu das máquinas fotográficas. Ainda naquela semana a usara para registrar o
treino com Edvaldo (último antes da prova) pelas estradas de barro da Cajuíta
em Guaratinga, mas infelizmente ela não viveu o bastante para desfrutar das
delícias da Machu Picchu brasileira.
treino apronto em Guaratinga |
Cheguei no Art Hotel Cristal Igatu a poucos minutos do
início do Congresso Técnico e lá já encontrei o amigo Pataro, que estava hospedado
desde o começo da manhã e se mostrava bastante impressionado com a extensa
subida de pedras que faria parte da primeira parte da Maratona do dia seguinte.
Um pouco para abusar (rs) e outro tanto porque
acreditava mesmo nisso, disse-lhe categoricamente que aquela certamente seria a
parte mais fácil da corrida.
A Maratona da Chapada foi pensada com o objetivo de dar
aos atletas as mais variadas condições de percurso, estrada de cascalho, areia
fofa, rios, trilhas, rochedos, subidas e muita, muita pedra em leito de rio.
Toda a hidratação ofertada pelos Organizadores (água, gatorade,
frutas) foi concentrada apenas na área de largada, local para onde sempre voltávamos
ao final de cada trecho.
Cada um tinha suas características próprias e foram
batizados da seguinte forma:
Trecho 1 – Bem
vindo a Igatu: 16k (sobe e desce numa estrada calçada em pedra bruta +
leito de rio arenoso);
Trecho 2 – Seres
Cascudos: 5k (caminhos de garimpeiros e passagem pelos históricos casarios
de pedras);
Trecho 3 – Diamante
Negro: 14,5k (utilizado também para uma prova de 15k que aconteceu
concomitantemente à Maratona e o mais difícil da prova com muita, muita mesmo
“escalaminhada por rochas gigantescas e trepa-pedras” no leito do rio).
Trecho 4 – Rego
Grande: 6k (trecho de grande variação altimétrica, mas onde é possível
manter-se correndo o tempo todo).
Pontualmente às 18:00 teve início o Congresso Técnico,
que foi breve e objetivo, ponto mais que positivo para os Organizadores. Em
poucos minutos nos foram passados os detalhes e logo estávamos livres para
atacar as poucas pizzarias de Igatu.
Acompanhados da galera da Braskem (colegas de trabalho
de Pataro), enquanto as pizzas saíam do forno, entre resenhas, planos de
hidratação e de como defender-se de ataques de marimbondos, relaxando ao sabor
de velhas canções dedilhadas num violão que encontrei por lá, senti-me
finalmente mais descansado e pronto para ter uma ótima noite de sono pré-prova.
A largada
De forma tranquila deixei a linha de largada. Levava
comigo a convicção de que mantendo um ritmo conservador, aos poucos e
naturalmente poderia crescer na prova e, desta forma, afastaria ao máximo a
possibilidade de ser traído pelo cansaço dos últimos meses e quebrar no meio da
corrida.
O Plano A era chegar inteiro, o B, entre os 10
primeiros, pois para a Maratona não havia pódio por Categoria e,
inusitadamente, a maioria dos atletas estavam inscritos no Solo.
Corri em paz de espírito, volta e meia tirava os olhos
da trilha e a beleza ao redor trazia do pensamento à boca a expressão: Obrigado
Deus! Caí algumas vezes. Fui atacado por marimbondos e quando recebi três
ferroadas ao mesmo tempo soltei um grito em meio à Chapada em nada condizente
com um sobrinho-neto de Lampião (rs). Em minha cabeça só veio aquela típica
cena de desenho animado em que o atacado por um enxame só consegue se livrar
daqueles bichos em cima da cabeça quando se atira num rio. Rio não era o
problema, ou era?
O 3º trecho, em sua maior parte dentro do rio,
realmente minou muita gente e foi nele que acabei ficando sem água nas garrafas
que levava comigo, o que não chegou a ser um grande problema, afinal de contas eu
estava em Igatu e água boa de rio para beber era o que não faltava.
O último trecho levava ao céu. Com 05 horas e 26
minutos de prova, a bateria completamente recarregada pela intensa conexão com
a natureza, cruzei o pórtico sem a menor noção de colocação. O que fiquei
sabendo imediatamente era que o amigo Pataro havia deslocado um dos dedos da
mão, mas bravamente se recusara a deixar a prova. Fiquei feliz por aquela
atitude também. Logo ele chegou e a coisa tava mesmo feia. Socorro em Andaraí e
lá se foi o descanso planejado para o pós-prova.
Às 18 horas, novamente pontuais e breves, os
Organizadores deram início à cerimônia de premiação. Durante o dia já havia
recebido diversas informações a respeito da minha colocação, mas somente ali
fiquei sabendo que ficara em 5º lugar geral. Ninguém havia acertado (rs).
Cansado, mas feliz, era hora de pegar o caminho de
volta para o trabalho.
“Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas já fatigadas”
Descendo a serra, já na escuridão, encontrei valentes
guerreiros (dentro do tempo-limite) buscando atingir suas metas. Assim é o
nosso esporte. A admiração que me despertaram aquelas pessoas em nada difere da
que senti ao descobrir que o rapaz que pegara carona na “ambulância” que socorreu
Pataro depois da prova, Plínio Souza Vieira, fora o vencedor da prova.
Lanternas nas mãos, eles estavam lá lutando e quantas
batalhas terão vencido para chegar até ali? Não deu para segurar a emoção...