domingo, 8 de julho de 2018

65KM SOLO/SURVIVOR NA UAI - ULTRA DOS ANJOS INTERNACIONAL


"...Quem te conhece não esquece jamais..."

Nada mais apropriado que os versos da famosa canção para sintetizar a maravilhosa experiência que foi participar, em terras mineiras, da UAI - Ultra dos Anjos Internacional - 2018.

Passa Quatro foi paixão à primeira vista. 

E olha que tinha tudo para não ser...


O relógio marcava 4 horas da manhã, quando um ônibus, procedente de São Paulo, encostou na plataforma de uma rodoviária deserta (espelho fiel do restante da cidade), e o motorista anunciou: Passa Quatro!

Os olhos do passageiro recém chegado a cidade ainda acompanhavam a lenta manobra que fazia o Viação Cometa para prosseguir seu caminho, enquanto vinha em sua cabeça, a lembrança de ter o celular completamente descarregado, o que certamente não iria facilitar a missão de descobrir a localização do Hotel Serra Azul.

Após semana de muito corre-corre no trabalho, de algumas noites insones, e mais 5 horas de viagem numa poltrona que não poderia ser chamada "do papai", uma cama quentinha era o verdadeiro eldorado.

A temperatura, apesar de positiva, seguramente não alcançava os dois dígitos, e o atleta que acabara de desembarcar, não obstante a decantada condição pecilotérmica, sentia frio. Era preciso escolher uma direção, e ele foi...


Encontrar o "lar" era desejo que urgia, não obstante "nunca me esquecerei desse acontecimento na vida das minha retinas tão fatigadas", a arquitetura, a vegetação, os trilhos urbanos, a beleza, a paz da cidade foram envolvendo seu espírito e, de súbito, o assaltava  a consciência da felicidade de estar chegando num paraíso,  e foi em ritmo muito mais tranquilo que, olhando ao lado, ele percebeu que já havia chegado ao seu destino.

                                               * * *

Após delicioso resto de noite de sono, a luz do dia veio confirmar o charme passa-quatrense. 

A cidade já estava tomada pelos atletas que iriam enfrentar a prova da Ultra Runner
que se desenrola pela Serra da Mantiqueira e os bons encontros logo começaram a acontecer.
Com Tomiko Eguchi
























Ótimo para quem precisava entrar no clima de competição, já que havia ido parar na UAI meio que por acaso e em cima da hora, somente após por ter que desistir de viagem aos Lençóis Maranhense, onde iria fazer uma maratona de Dunas.

Reenncontrando Delino Tomé
Aliás, não ter treinado específico para a competição foi o motivo principal para ter escolhido a menor das distâncias ultras da UAI - 65 KM Sólo/Survivor, e foi até divertido ter que volta e meia explicar para algum conhecido que não iria competir na prova principal.

Na hora de pegar o kit encontrei a amiga Rosália Guarishi que também iria fazer o 65 km e com quem havia feito um pré-acordo de ir junto, claro, se eu conseguisse. 

Com Rosália Guarishi que foi para o 65 como treino para a Ultra Trail Du Mont-Blanc
"A UAI Ultramaratona dos Anjos Internacional 235km está aberta para atletas nas Categorias 235 km XHard, 135 km Hard, 95 km Medium, 65 km Easy e 25 km Fast, nas modalidades solo com suporte, solo sem suporte (Survivor) e Revezamento Dupla e Quarteto.


SEXTA-FEIRA 29/06.

Após 08 horas de sono, um luxo para os últimos tempos, sentia-me completamente restaurado e pronto para me divertir na tal prova Easy.

Buscando ser coerente com a falta de treino específico, em momento algum encarei a prova com competitividade, e esse descompromisso me trazia uma leveza incomum nestes momentos que antecedem às largadas.

Antes da execução do Hino Nacional, havia reencontrado Rosália e, realmente, estava curioso para saber se iria conseguir acompanhar a multi campeã. 

Com a turma da Bahia
Entretanto, momentos antes da largada, avistei a turma de amigos baianos que estavam perto do pórtico e não resistindo à vontade, fui ter com eles para fazer um registro e desejar-lhes boa prova.

Em meu relógio faltavam dois minutos para o horário oficial quando foi dada a largada. Influenciado pela estória de que minha "coelha" largaria devagar, fui deixando todo mundo passar e nada de enxergar a amiga.

Depois de ter passado muita gente, é que finalmente parti. 

Na altura do quilômetro 2, alcancei o amigo Gustavo Pizzinatto  com quem resolvi correr um pouco. 

Pizzinatto, terceiro colocado geral no 235 Survivor
Após algumas conversas disse-lhe que estava aguardando a passagem de Rosália. "Ela já tá bem na frente" foi o comentário de Pizzinatto (que viria a ser terceiro colocado no XHARD 235 SURVIVOR) então, já desconfiado que não seria uma missão fácil, deixei-o e tentei ir à caça da amiga. 

Para adiantar essa parte da história, essa "confusão" na saída foi o bastante para me perder da amiga e somente  voltar a revê-la risonha e campeã na linha de chegada. 
Como é forte a hipótese desse desencontro ter sido obra da providencia divina (sabe-se lá o que aconteceria, rs) dei Graças a Deus por isso também.

                                                             * * * 


Logo a paisagem e a Serra da Mantiqueira foram tomando conta do meu ser e, morro acima, morro abaixo, seguia feliz e muito agradecido a Deus por haver optado pela UAI.


Em ritmo confortável, aos poucos ia acompanhando e ultrapassando atletas pela estrada que muito me lembrava o Caminho da Paz, e como sempre tive aquela sensação de como seria bom se pudesse reunir ali comigo todas as pessoas que amo.

La pelo km 13, ajustei o passo com um atleta chamado Eduardo. Mineirinho da área, todos o cumprimentavam pelos povoados que íamos passando e foi com merecido orgulho que ele me contou que havia sido salvo da depressão pela corrida e que hoje servia de exemplo para os habitantes locais.

Com Eduardo
Por volta da marca da meia maratona, o Eduardo foi ficando para trás, mas logo alcancei um novo parceiro de viagem, desta vez, o catarinense Cleverson (campeão em 2015)  que para meu espanto estava fazendo os 235 survivor. 

Há muito que só vinha encontrando gente do Fast 25KM, um bom sinal que me dava uma indicação que estava bem colocado, mas não queria focar nisso.



Com 2 horas e 06 minutos cheguei a Itamonte comboiando a briga pelos terceiros e quarto lugares da prova de 25 km. 

Ali era o único posto de Controle e Hidratação para a modalidade 65 km, portanto hora de parar, repor água da mochila, comer uns biscoitos e provar do tradicional Guaranita.

Enquanto enchia o tanque para os 40 quilômetros restantes e dava umas palavras com o Cleverson, Eduardo chegava para completar sua prova, dizendo-se agradecido pelos quilômetros que dividimos. Fazer e conservar amizade é a tônica em provas longas.


                               * * *

À saída de Itamonte pegamos uma rodovia asfaltada.

Lembrando de um conselho do Cleverson, abri bem os olhos buscando às setinhas amarelas. "Até aqui você está seguindo atletas, mas nesse ritmo, logo ficará sozinho, fique atento". 

Conforme havia me avisado o amigo Delino Tomé (campeão 5 vezes da UAI "Uma subidinha que ninguém daria nada por ela", iniciou-se logo que deixamos a cidade e com menos de 1 quilômetro alcançava mais três atletas (e nada de Rosália, rs). 

No Km 30, para meu espanto geral, encontrava o líder do 235 km (com apoio. Não me contive "Uai, você não tá muito adiantado não, rs?".

Seria um dos últimos atletas que eu iria ultrapassar, nesta prova em que não fui ultrapassado por ninguém. Era, "vejo, logo ultrapasso", rs.

No restante da viagem, minha companhia eram os carros de apoio. Alguns deles iriam comigo até o meu ponto final.

Por volta do km 35, seguia me perguntando  "Quanto tempo duraria aquela subida em rodovia"? 

Um dos dos motoristas de carro de apoio, gentilmente me preveniu que a subida seria chata e que somente quando chegasse no topo é que voltaria a correr em terra batida.

"Não vim para correr em asfalto", gritava sorridente, enquanto mantinha a marcha.

No KM 40, quem me visse de longe, diria que o sol já estava fazendo estragos em minha cachola, pois eu seguia sorrindo e falando sozinho "Que prova Easy é essa que tem 15 km de serra morro acima?".

Completei a marca da Maratona com minha primeira andada, e nada de ver o topo da serra. Estávamos indo para o céu?

Apenas aumentei o meu sorriso quando vi que completava, sem nenhuma trégua, 20 km de uma subida constante. 

Na cabeça ecoavam, agora com toda compreensão do sentido, as palavras de Delino: "Cada distância tem sua dificuldade. A dos 65km é ter paciência para na longa subida. Quem souber conservar melhor as panturrilha até chegar ao topo, depois é só sentar a bota e logo vai estar dentro de Alagoa.

O engraçado é que depois de uma subida constante, no finalzinho havia um verdadeiro paredão, responsável pela maior parte do ganho de 900 metros daquele trecho.

Por volta do km 46, finalmente, uma seta mandando sair da rodovia. Na entrada o amigo e Diretor da Prova Fernando Nogueira a quem de passagem fiz questão de parabenizar pela organização da UAI.

Na estrada rural constatei que voltara a correr tão rápido quanto no começo e isso era um ótimo sinal, após tão dura subida.

Ia em ritmo bem confiante quando os companheiros que estavam fazendo apoio ao atleta do 235 km (que não vinha longe de mim) passaram por mim gritando: "Agora tá bom, né?".



Estava sim e logo chegava a marca do KM 50.

Um pouco adiante as setas me mandaram para uma entrada à direita na estrada batida, Imaginei, que provavelmente já estava começando a retornar a mesma rodovia que acabara de deixar.

Num dado momento comecei a ter recear que havia pego o caminho errado. Tava tudo tão bom, será que ia me perder agora? 

"Por favor, Deus. Deixa eu ver logo algum atleta ou apoio". Imediatamente uma seta amarela surgia lá na frente.

Ao sair desta descida (campeã de reclamação das estórias contadas pelo povo que voltou no ônibus cedido pela organização para trazer os atletas de volta a Passa Quatro, encontrei-me num "fogo cruzado".

Ao virar uma esquina dei de cara com uma boiada. Uma parte dos bois fugiram assustados na minha frente, enquanto outra parte, "coincidentemente" os mais mal-encarados ficaram parados e depois começaram a correr  (justamente aí passaram a ter piores feições) atrás de mim.


Eu seguia correndo, vez em quando, o maior dos bois que seguia a frente (sempre um mal-encarado) virava-se como que resolvido a me enfrentar, quando olhava para tras, os outros feiosos viam como que prontos a me chifrar.

Essa epopeia durou cerca de 800 metros e com certeza influenciou positivamente em meu tempo final de prova, rs.

No km 58, como havia previsto, aquele caminho me levou de volta a rodovia.

Por volta do km 62, num pequeno Distrito, comprei duas garrafas d'águas e uma coca-cola e, desfrutando lentamente dos líquidos tão bem-vindos àquela altura, numa olhada para trás vi que o valente Cleverson também ia fazer na mesma vendinha um pit stop.

Um princípio de saudade já começava a percorrer meu espírito quando fazia os últimos quilômetros para chegar na simpática cidade de Alagoa.



Completamente feliz, com pouco menos de 7 horas, em quinto lugar geral, e ensaiando uns passos de capoeira, cruzava a linha de chegada, onde, como já disse antes, reencontrei risonha e campeã na linha de chegada a amiga Rosália Guarishi.









Gilton e Vlader que completaram os 135 km da UAI



De volta a Salvador,dois dias após a prova em Minas, regenerando com amigos



9 comentários:

  1. Parabéns pelo desafio enfrentado e pela emoção transmitida no texto. Bom demais!

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  2. Depois de ouvir as experiências e ler o seu relato, dá para ter uma noção de como foi o seu desafio... para quem corre, como eu, até uma pontinha de inveja. Muito legal. Espero um dia conseguir fazer o Caminho da Paz. Parabéns.

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  3. Parabéns, uma excelente prova, vc é um gurreiro Deus te abençoe vc continua assim firme e forte,um forte abraço. Vanuza Lins.

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  4. Que bacana, Roberto. Belo texto! Dá a sensação de que o leitor está correndo com você! Parabéns! Belo incentivo para mim.

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