terça-feira, 26 de julho de 2016

DESAFIO 42K SERRA DE ITABAIANA 2016 - A VITÓRIA QUE NÃO PUDE COMEMORAR



Os problemas ocorridos no Desafio 42K, realizado no último dia 10 de julho, não foram poucos e começaram a pipocar bem cedo, quando os ônibus prometidos para sair de Aracaju às 4h não apareceram para levar os atletas ao local de largada em Areia Branca, município localizado ao pé da belíssima Serra de Itabaiana.

O atraso de 45' na largada e os staffs levando os ponteiros da prova a tomar a direção errada antes mesmo de deixarem os paralelepípedos do Município de Areia Branca, definitivamente não eram sinais de bom augúrio.

Diversas outras coisas neste sentido aconteceram, inclusive nas outras distâncias disputadas. Enumerá-las, entretanto, não será o foco deste texto.

Senta que lá vem estória...

Não obstante as poucas semanas de treino específico, alicerçava minhas esperanças em fazer uma boa prova nos resultados obtidos nas duas Maratonas disputadas este ano (São Paulo e Porto Alegre), na boa sensação de corpo descansado com que cheguei à prova sergipana e, principalmente, por estar de volta ao meu terreno preferido para correr: trilhas e montanhas.


Após a confusa largada, em ritmo moderado de quem ainda tinha muito a enfrentar pelo caminho, iniciei a descida da pirambeira de 400 metros (já familiar pelo pequeno treino de reconhecimento feito no dia anterior), sempre avisando aos mais afoitos para ter cuidado com um arame que estava no meio da estrada antes da primeira travessia de riacho.



Assim que chegamos à estrada e viramos para a esquerda tudo virou novidade e aventura.

Na primeira entrada à direita havia um pequeno gancho de estrada em forma de P que passava em alguns fundos de quintal, com um pequeníssimo trecho de trilha que nos traria de volta à estrada principal.

Antes de pegar este caminho, que, salvo engano, se chama Poço das Moças, pude ver (e até cheguei a gritar para alerta-los) alguns atletas que passaram direto.

O grande problema é que após o trecho em forma de P o caminho a tomar era aquele mesmo. 

Com a certeza de que nenhum deles havia "pulado" o gancho intencionalmente, senão pela inércia do staff que os deixou passar direto, seguia, agora num ritmo mais forte, torcendo para que eles voltassem para corrigir o erro.

Ainda retornando para o caminho, na companhia de dois corredores que reconhecia como fortes candidatos a pódio geral, pude ver alguns dos atletas que estavam na frente voltando para corrigir o percurso. Inclusive um deles nos gritou: "Errei o caminho e passei direto".

Com alguma dificuldade para saber se estávamos no caminho certo (os staffs não estavam lá), chegamos à entrada do Parque Nacional de Itabaiana. Agora sim, estava me sentindo na prova e em casa.

Nosso grupo foi alcançado por um rapaz de preto que, inconformado com a confusão do começo, ameaçava parar (reclamava que havia se preparado tanto para aquela prova e não aceitava aquilo), conclamando inclusive a que todos fizéssemos o mesmo e voltássemos para a largada para falar com a Organização.

Ponderei que àquela altura não adiantaria nada ir reclamar: "Vamos seguir e nos divertir na trilha. Estamos aqui porque amamos fazer isto, não é?" Seguimos.

Dentro do Parque começamos a nos dividir, eu seguia na frente exatamente com os atletas que me haviam chamado a atenção lá na trilha. Um usava camisa branca de manga longa com uma cruz vermelha pintada no ombro e disse-me ser de Natal (a quem inclusive chamei atenção pela falta de mochila ou cinto de hidratação, item obrigatório para os maratonistas), o outro com a camisa da prova e que chamava atenção por estar correndo com uma garrafinha vermelha na mão. 

O rapaz de preto havia entrado no ritmo, mas parou, dizendo que não ia mais.

No posto de hidratação tentei checar com os staffs em que altura da prova estávamos para ver se batia com a marcação do Garmin, mas nem ali nem em nenhum outro posto consegui esta informação. O máximo que recebia como resposta, e já representava um alívio era: "Aqui é o 42". Não era aquilo que perguntava, nem tinha tempo para explicar, o jeito era arrebatar um copinho e seguir em frente.

No primeiro grande morro, onde absolutamente não dava nem para trotar, comecei a ser deixado para trás pelos meus dois "amigos". Andar precisa, apesar de não gostar, fazer parte dos meus treinamentos (rs).

À medida em que os via se afastando, numa olhada para trás, vi que vinha se aproximando um rapaz jovem com a camisa da prova e de boné.

Prossegui na minha escalada e seguindo minha linha em provas de trilha, assim que senti a aproximação de alguém, avisei-o que logo que achasse onde, daria passagem.

Sem nem achar o local ainda, o cara passou agoniado, inclusive esbarrando no meu ombro, pedindo-me sinceras desculpas no mesmo momento e, qual não foi minha surpresa quando constatei que não se tratava do cara do boné e sim do rapaz de preto, que voltara à prova. Pior para mim, pensei eu, o moleque estava em boa forma e, apesar da angústia do para ou prossegue, parecia que agora sabia o que estava fazendo.


Só quando estava chegando ao topo do morro é que fui acompanhado pelo rapaz do boné com a camisa da prova. Ainda assim dei-lhe a passagem e trocamos algumas palavras sobre parecer que agora estávamos no caminho certo, referindo-nos às hesitações do começo da prova.

Em curtíssimo tempo chegamos no plano. 

Talvez por ter me visto ser deixado para trás pelos dois caras que estavam seguindo comigo e ser ultrapassado pelo de preto e por ele ter me acompanhado, de forma inocente o rapaz me desejou boa prova e disse: "Vou adiantar".

Não estava morto, longe disso (rs), segui em seus calcanhares e, na primeira oportunidade, ultrapassei-o.

Lembro-me de ter dado uma rápida olhada no relógio, percebido que estava a 4'30/km naquele momento e pensado: Acho que ele não vem não.

Em pouco tempo ele sumiu, mas guardei comigo a sensação de que no caso de surgir uma nova pirambeira pouco à frente ele poderia chegar novamente. Não chegou. Nunca mais o vi.

De repente, ao fim de uma descida insana (mas que dava para correr), perto de uma cachoeira, vi o rapaz de preto reclamando de dor com algumas pessoas que ao passar não pude identificar se eram da sua equipe ou da organização, mas de quem ouvi a seguinte frase: Aí não adianta forçar, é melhor parar.

Confesso algo até vergonhoso (é óbvio que torcia para não ser nada grave, eu mesmo havia dado uma pisada em falso que me arrancara um grito de dor e por algumas frações de segundo tive medo de ter torcido o pé), mas mentalmente pensei: "Um a menos". Justifico o sentimento pouco nobre com o reconhecimento de que ali estava um atleta com alto potencial para vencer a prova.

Por falar em potencial para vencer a prova...

Antes de largar, sentado no chão para aguardar o início, comecei a observar os corredores alinhados sob o pórtico (quase todos estes citados no texto até aqui foram alvo deste momento) e um me chamou mais atenção que os outros. 

O cara estava irrequieto, havia aquecido com tiros curtos antes da prova, dava pinta de que sairia à toda na largada (algo bastante desnecessário em provas longas de montanha). Via-o superconfiante, não restava dúvida de que se tratava de alguém bem condicionado fisicamente, mas estaria também mentalmente? Fiquei curioso para saber o desfecho dele na prova. Com meus botões, pensei: “Este vai ser tudo ou nada”.

Largada dos 42k

Dada a largada, o cara não desapontou a minha observação, voou na frente como se estivéssemos numa prova de 5k no asfalto.

Quando entramos no Parque, ainda sem saber se estávamos no caminho certo, várias pessoas nos respondiam: - Já passou um corredor e faz um tempão. Era ele. Sabia o tempo todo que o dianteiro a que todos se referiam bem na frente era o cara de óculos e camisa azul e branco.

Matei minha curiosidade quando, ao iniciar uma subida avistei-o seguindo bem devagar e parando a cada momento para colocar as mãos na cintura, evidenciando enorme cansaço.

Neste mesmo momento pude ver também que, lá em cima, seguia o atleta de Natal. Não abriu muito - pensei feliz.

Ultrapassei ainda na subida o rapaz de azul e branco e segui em frente, cada vez mais confiante de que faria uma ótima chegada.

Somente muito tempo depois (no km 25) fui alcançar o natalense. 


Lembro-me exatamente da quilometragem, pois no momento da passagem ele me perguntou com quantos quilômetros estávamos. Por um instante (olha a competitividade aí gente rs), cogitei a hipótese de responder-lhe que faltava mais do que realmente faltava, para tentar mexer de vez com seu psicológico, mas não o fiz, afinal de contas, no começo da prova havíamos conversado um pouco e ao saber que ele ainda não conhecia Salvador, até para minha casa havia convidado-o. 

Lá pelo km 30 sentia-me cada vez mais confortável, torcendo para que a prova tivesse ainda muitos pontos duros para dar tempo de alcançar quem ainda estivesse na frente.

Foi por volta do 32 que avistei e, sem muito me demorar, ultrapassei, o corredor com a garrafa na mão. Ultrapassava-o pensando, esse é dos que gosto (e tento me espelhar), correr uma prova daquela com uma das mãos ocupadas o tempo todo é coisa de casca-grossa dos bons.



A chegada no caminho com areia me fez sentir em casa e ainda mais feliz.

Agora começava a encontrar gente do 21 e logo passei por Henrique, que me avisou que Cris estava logo à frente.

Voando ladeira abaixo e mantendo-me no trote ladeira acima, reconheci num dado momento que estava chegando à cidade.

Comecei a subida, sempre de olho para ver se adiante ainda poderia ter alguém para passar. Havia passado todos que sabia estar em minha frente, mas ainda contava com a possibilidade de algum dos atletas que passaram direto no começo da prova não ter retornado para corrigir o caminho.

Na última pirambeira avistei e consegui alcançar dois corredores, mas eram da prova de 21k. 

Entrei na cidade fazendo festa com os moradores e os atletas.

No pórtico recebi a notícia de uma classificação difícil de engolir. 

Quem são os primeiros? Perguntava. Não os encontrava. Aos poucos, começaram a surgir rumores de que a coisa havia sido bem pior do que simplesmente passar direto naquele ponto inicial. Mesmo sem fazer alarde, na fila para o delicioso macarrão com salsicha ofertado no pós-prova, alguns desconhecidos vinham me confiar suas desconfianças. Dali até a hora do pódio a coisa só aumentou. 

Com tristeza, e já tendo certeza da injustiça, apesar de profundamente chateado, recebi sem grosserias o troféu de campeão da categoria.

Na viagem de volta (havia levado 06 pessoas para a prova, 3 no 42, 3 no 21) a tristeza era grande.

Os dias que se seguiram foram muito mais desgastantes que a prova. Qualquer atleta pode imaginar o que estava sentindo. De forma deliberada ou não, muito mais que a vitória, nos havia sido tirado o momento, imagina a festa que faríamos! 



Somente alguns dias depois, após checagem de fatos, evidências  e até confissões, a Organização nos devolveu a vitória e o troféu. Isso não tem o poder de trazer o tempo de volta, mas alivia um pouco a sensação de frustração naquela que foi uma das melhores provas da minha vida e que, portanto, da qual sempre deveria me lembrar apenas pelos bons momentos.


Axé!


































23 comentários:

  1. Caro Roberto,
    Lamentavelmente tivemos alguns problemas no evento, evento este que foi lançado e planejado em 21/11/2015. Um evento dessa magnitude, não é possível realizá-lo sozinho, por isso faço parcerias locais e com isso delego atribuições. O Desafio 42k, tem um padrão de qualidade que não abro mão e esse padrão tem que ser em todos os quesitos. Como proprietário da marca e idealizador do projeto, assumo toda a responsabilidade e peço desculpas pelo transtorno causado. Jamais me furtarei a corrigir ou assumir qualquer ato . Teremos em 2017 4 etapas(Bahia, Sergipe, Pernambuco e Ceará)e vamos colocar em prática a EXCELÊNCIA que planejei para o Desafio 42k. Nossa área de atuação será exclusivamente o Nordeste e contamos com o apoio de todos para colocar um mega evento nessa região. Mais uma vez peço desculpas a todos e acreditem: O Desafio 42k, será um dos maiores e melhores eventos de trail run do Brasil. Fico feliz em poder corrigir o resultado final e deixo aqui minhas sinceras felicitações, foi merecido e duro conquistar. PARABÉNS CAMPEÃO!! Abç. César Santos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. César,
      Torço de verdade para que esta prova dê a volta por cima. A cidade, o povo, os atletas merecem.
      Como atleta amante de provas de montanha/trilha estou sempre tendo que ir ao eixo sul/sudeste para competir a custos bem salgados. Imaginar que podemos ter um circuito mais perto de casa é algo muito bom. Espero que os problemas desta etapa sirvam para aprimorar a organização dos próximos eventos. Obrigado pelo compromisso com a verdade e também pela passagem/comentário neste blog.Boa Sorte!

      Excluir
  2. Parabéns campeão por mais uma merecida vitória! Como já lhe disse, para lhe superar é preciso "ter farinha no saco", histórico de partcipações em maratonas e ultramaratonas! Não é para qualquer um! Você recebeu o troféu, mas ficaram lhe devendo a foto do pódio! Este erro infelizmente não tem como consertar!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado Amâncio.
      É a vitória menos saborosa da minha vida. Mas não temos como voltar no tempo nao é? Então, bola pra frente. Se Deus me permitir breve estaremos numa próxima competição. Quanto a ter não farinha no saco, sabe que não penso por aí, sei que poderia ter sido superado por qualquer um, apenas não fui. Abraços!

      Excluir
  3. Parabéns não só pela conquista do que lhe foi de direito, mas principalmente pela postura digna que teve diante das evidências, aguardando todo o desenrolar da situação, respeitando a organização do evento e todos os atletas que percorreram por este desafio, inclusive até os que não mereciam. Esse é o verdadeiro espírito de competição, que deixa sementes para boa colheita. Parabéns meu primo, parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prima,
      Obrigado pelas palavras! O apoio, a ajuda, os depoimentos, os testemunhos vieram de diversas parte do País, inclusive de Aracaju e sentir algo tão espontâneo foi a parte boa dessa estória ruim. Em tudo devemos dar Graças à Deus.

      Excluir
  4. Parabéns amigo!! Belíssimo texto. Excelente performance. Muito merecido a sua vitória, apesar de não subido ao podium, fica o registro!

    ResponderExcluir
  5. Parabéns a Roberto pela conquista e parabéns também para o César Santos pela honestidade, lisura e decência com a qual tratou o assunto.
    Ivan Falcão

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Ivan.
      Desde já deixo registrado que estarei torcendo por você na Jungle Marathon.
      Abraços!

      Excluir
  6. Arrepiada com seu relato, fico feliz que a organização reviu o erro e retificou o resultado. Pena não ter subido o tão merecido pódio, ainda mais nesse tipo de prova, onde a superação, desgaste e equilíbrio emocional são fundamentais. Estava inscrita na prova e não pude ir nos 10km, espero que ano que vem essa prova corrija os erros, porque certamente tenho vontade de fazer. Adoro prova de aventura e não temos quase nenhuma por aqui.
    Sucesso, você é um atleta super diferenciado e resultado não poderia ser outro.
    Parabéns!

    ResponderExcluir
  7. Roberto Ribeiro DA Encarnacao, eu fui um dos prejudicados na prova de 21 km, por falta de sinalização eu e mais 4 atletas pegamos o caminho errado da prova e fizemos a prova de 10 km! Provavelmente brigaríamos pelo podium da prova, mas a prova foi totalmente frustrante para nós!Pelo seu relato os problemas também ocorreram nos 42 km. Uma pena! Tomara que organização consiga melhorar o circuito em 2017! Precisamos de provas de corridas de montanha\trilha aqui no nordeste!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gustavo,
      Sinto muito por vc, certamente estava no grupo do qual fazia parte minha amiga Djane, corredora que também tinha grande potencial de estar entre os primeiros.
      Abraços!

      Excluir
  8. parabéns! campeão, Roberto você foi merecedor dessa vitória, com muita luta, as vezes acontecem certas coisas nas nossas vidas que Deus mostra quantas desonestidade quem e honesto sofre as consequência, pra mostrar o que os desonesto faz, ai chega a verdade, que a verdade foi mostrada, e isso que importa a sua vitória esta no seu coração, na sua honestidade isso é o seu verdadeiro pódio, e você sempre será campeão. um abraço. vanuza lins.

    ResponderExcluir
  9. Parabéns Roberto pelo relato tão fiel, verdadeiro e emocionante! Sei que nada substituirá a festa que poderíamos ter feito no dia..durante a premiação e isto é triste! Porém, a nossa alegria é que os erros foram corrigidos e que o registro histórico do 1° Vencedor do Desafio K42 de Itabaiana foi e sempre será, com méritos e justiça, o nosso campeão Roberto Encarnação!
    Parabéns meu amigo!
    Luis Eugênio.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Eugênio.
      Havia lá muitos motivos para ficar feliz apesar de tudo e sua ida ao pódio foi uma delas.
      Abraços!

      Excluir
  10. Parabéns, Amor,
    muito pela vitória, mas, principalmente, pelo seu caráter e pela sua preocupação em esclarecer as coisas e ser justo (não só "se fazer justiça"). Te amo por isso também.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. "Titia"
      Você sabe o quanto agradeço a Deus simplesmente por poder estar num lugar daqueles. Durante o trajeto, apesar de algumas rugas de interrogação na testa, Não perdi de vista o prazer do estar em movimento e isso, sempre é mais importante que tudo mais.

      Excluir
  11. Mega campeão! Parabéns! Belo relato, emocionante. Se diverte nessas provas de trilhas e montanhas. Merecida Vitória! Um grande abraço! Pataro.

    ResponderExcluir
  12. Roberto meu amigo, mesmo longe acompanho suas notícias! Vc é um campeão e exemplo. Parabéns e em breve estarei de volta pra fazermos uns "treinos" juntos. Abcs. Washington FILLOGON.

    ResponderExcluir