quinta-feira, 29 de novembro de 2018

100K ULTRAMARATONA DA SERRA - UMA VITÓRIA DA AMIZADE


Ultramaratona da Serra

Tão logo ouvi falar desta prova de 100km na Paraíba, com largada em João Pessoa  e  chegada em Campina Grande, tive certeza de que um dia iria vivenciá-la.

Afinal, as lembranças destas duas cidades que trazia e ainda trago comigo, além de excelentes não são poucas, sendo as mais recentes a experiência de casar o início da preparação para o Desafio 42k Serra de Itabaiana (prova que viria a vencer) com o inigualável São João de Campina Grande em 2016, e uma deliciosa pedalada entre Maceió e João Pessoa em dezembro daquele mesmo ano.

E foi em meio a um dos treinos com a galera do Salvador Pró-Maratona, comentando que gostaria de fazer a prova este ano, mas que provavelmente não poderia ser de forma muito competitiva, pois teria que fazê-la no estilo survivor, ou seja, carregando mochila de hidratação, parando em posto de gasolina para repor água, etc., etc., que o amigo Manoel Lima (que já estivera na prova em quinteto no ano passado) surpreendeu-me com a seguinte exclamação: "Beto, se você quiser eu posso  ser seu apoio".

Aquela frase parecia um raio de luz entrando pela casa. No mesmo instante um sorriso brotava em meu rosto, e mal sabíamos que ali estava sendo plantada a semente da vitória deste final de semana.

Acostumada às soluções logísticas, a cabeça logo imaginava a possibilidade de incluir Gil e uma bike no Projeto, uma vez que seríamos dois a precisar de suporte na competição, pois, para variar, Pataro, o velho parceiro de "guerras", topara participar da prova.

22 de novembro - quinta-feira


Com uma bicicleta amarrada ao transbike, acompanhado de Manoel e Gil, por volta das 5h30 demos início à nossa viagem de carro entre as cidades de Salvador e João Pessoa.

Com Manoel (o rei da selfie) e Gil , a caminho de João Pessoa
A ideia era chegar o mais cedo possível, uns para descansar, outros, os mais festeiros, nem tanto (quem conhece a turma sabe de quem estou falando, rs), mas sabendo que no outro dia seria aniversário do Monstro Benfazejo Gil, como singela homenagem, em vez do caminho mais curto, tomamos o caminho mais turístico, para que ele, ainda que de passagem, curtisse um pouco mais a viagem.


Então foi litoral ao máximo, passagem em todas as capitais do caminho (Aracaju, Maceió e Recife) e outras mumunhas mais.
Em Pajuçara
Os amigos, aliás, merecem mesmo todas as festas para eles, afinal de contas, dispuseram-se a viajar para ajudar a mim e a Pataro, que por compromisso no trabalho, chegaria de avião somente na tarde do dia seguinte.

Preciso afirmar, reafirmar e agradecer sempre muito a Deus por tudo que me cerca, e esses três amigos tão especiais só podem mesmo ser entendidos como presente Divino.

Uma hora, enfim, chegamos ao nosso destino...


23 de novembro - sexta-feira


Acordar cedinho para o famoso treino de soltura pré-prova nunca fora tão justificado, afinal de contas havíamos dirigido cerca de 1.000km no dia anterior, e de quebra, é claro, não poderíamos deixar passar em branco o aniversário de Gil.
treino de soltura na orla de João Pessoa
Depois de um belo café da manhã restava descansar ao máximo e esperar... esperar a hora de dar início aos preparativos da hidratação, a chegada de Pataro, a busca do kit, o congresso técnico, a noite passar para dar início a brincadeira no amanhecer do próximo dia.

24 de novembro – sábado


Pela lista de inscritos, sabia que, entre outras feras, estariam presentes o carioca radicado na Paraíba, Fábio Spá, campeão da edição passada da Ultramaratona da Serra,  atual campeão também dos 80km da Natal / Touros, vice-campeão da Extremo-Sul Ultramarathon (só para ficar em algumas de suas conquistas) e o também carioca, o fortíssimo Renê Romualdo, atual campeão do 100km do frio, com impressionantes 9:24:30, no sentido ladeira acima, Caruaru / Garanhuns.
No Farol de Cabo Branco 
Confesso que não havia saído de Salvador com a confiança em alta, mas o clima de brincadeiras pré-prova foi me deixando mais tranquilo, e na chegada ao ponto de concentração da largada, sentia-me um tantinho menos “leão na jaula”.


Correr competitivamente sempre traz alguma carga de tensão, mas uma vaidade que assumo é o desejo de poder completar a missão, seja lá em que posição/tempo for.  De toda sorte, precisamos todos ter a consciência de que somos felizardos só de poder estar ali reunidos para tentar algo tão fantástico, como bem dizia uma propaganda a respeito dos 100k.




Após 7 semanas de preparação específica, estava chegando a hora de botar à prova "a estratégia de treino agressiva" proposta pelo Prof. Marcelo Augusti para essa competição.

Pontualmente às 4h50 foi dada a largada dos solo (algumas categorias largariam ainda às 5h da manhã) e como combinado, na mesma batida, lá fomos eu e Pataro.

Por mais que  insistisse que voltassem ao hotel para tomar café da manhã, pois poderíamos ir nos virando sozinhos pelas próximas duas horas, nossa dupla de apoio, bike atada ao fundo do carro, também deu início ao seu belo trabalho.




A CORRIDA



Aproveitando o frescor da manhã e usando como referência algumas pessoas do decateto (onde cada um faz 10 km) conseguimos (Pataro e eu) fazer 12,5 km na primeira hora de corrida.

Os primeiros 08 km no ritmo da excelente corredora que liderava o decateto


Lá na frente, cada vez mais se distanciando, dois corredores seguiam fortes. Haviam passado direto no primeiro PC, e já no clima da prova, pedi aos meninos que fossem averiguar se se tratavam de corredores solo (como são chamados os atletas que estavam encarando os 100km full) e nos trouxessem notícias.


Sem muita convicção Gil e Manoel voltaram dizendo que apenas um deles era nosso adversário direto.


A marca da meia maratona foi alcançada com 01h e 44 minutos e por volta do km 28, Pataro e eu começamos a nos separar.

Quase na passagem do quarto PC, recebi uma ultrapassagem de um rapazinho que estava usando a numeração com o padrão dos solo o que fez toda a equipe Salvador Pró-Maratona julgar que havia caído para terceiro lugar.

Consolei os valorosos staffs, lembrando-lhes que a gente só pode correr a nossa própria corrida, e apesar de estarmos razoavelmente longe do fim ainda, a passagem dos 42km com 3h e 40, indicava-me que tudo estava dentro do script.

Como que para confirmar nossas palavras, poucos minutos depois começava a surgir em nosso campo de visão o antigo líder da prova, que, diga-se de passagem, não sei exatamente em que altura, já havia aberto 2km de dianteira.

Renê Romualdo que só seria alcançado no  km 46 e infelizmente precisou parar no km 60

Por volta do km 46, reassumimos a vice-liderança. Dentro de mim até sorria, será que estava realmente com a “maldição” de vice, que alguns amigos zoando tem me atribuído ultimamente? (rs) Tri vice-campeão seguido dos 100km do Frio (corrida em moldes parecidos com a prova que estava fazendo), vice no X Terra de Barra Grande no ano passado, vice na Beach Cross em fevereiro deste ano...

Foi logo depois disso que Gil e Manoel resolveram que já era o momento de separar as  estruturas de hidratação, Gil na bike com Pataro e Manoel comigo no carro. Percebi de imediato, mas concentrado na missão, e confiando no julgamento dos nossos anjos, sequer comentei.

A metade da prova foi alcançada com 4h e 15 minutos, e justamente na passagem pelo 5º PC comecei a ouvir dos corredores e seu pessoal de apoio que estávamos liderando. Alguém chegou a dizer que o rapaz que ia na frente entrara no carro e havia desistido.

Com a dúvida rondando a cabeça chegamos ao km 60, e lá pedi a Manoel para se informar do tempo de passagem do rapaz no PC 50 e PC 60, para ver se estava com um padrão aceitável.

Não foi o caso desta vez, mas infelizmente, neste modelo de prova, em que o corredor tem apoio de carro, diversas vezes ocorrem coisas estranhas, e durante o Congresso Técnico, um dos atletas perguntando ao organizador o que havia sido feito para coibir esta lamentável prática, havia chamado a atenção que no ano anterior houve “corredor” que foi filmado entrando em carro.

Adianto inclusive que a prova feminina deste ano, teve seu brilho empanado, porque houve muita confusão na premiação, justamente por causa de acusações desse gênero.

Manoel voltou com a resposta de que o rapaz não havia passado no km 60, mas que havia surgido um corredor com um número diferente. O pessoal da anotação parecia não estar muito familiarizado com o que estava fazendo, mas começamos a pensar que, apesar da numeração no padrão dos solo, tratava-se de uma dupla. 



Dupla masculina campeã - Jefferson da Costa Diniz (o atleta que havia me passado) e Matheus Isaac, representantes do 31º Batalhão de Infantaria Motorizado - Campina Grande

Por mais que se buscasse informações nos PCs, certeza mesmo de que se tratava de uma dupla, pasmem, só fomos ter no km 90.

De toda sorte, buscando tranquilizar o super Manoel, dizia-lhe que independente do que estava acontecendo, o negócio era seguir concentrados em nossa corrida, que vinha se mantendo estável, apenas com a quebra de ritmo natural pelo passar das horas e acumular dos quilômetros.

E como havia trabalho em que se concentrar (rs).  Os intervalos de parada iam ficando cada vez mais curtos, seguir os horários do plano de alimentação/hidratação que o havia entregue na noite anterior, tirar fotos, correr ao lado enquanto me entregava algum item ou jogar água gelada na cabeça, correr de volta para o carro, etc.

Cada vez mais ouvia rumores de que estava liderando a prova, portanto o negócio passava a ter uma tensão maior, e já que havíamos chegado àquela condição de brigar pela vitória, o negocia era procurar fazer o máximo de esforço, até para tentar retribuir tanta dedicação de nossa dupla de apoio, e em especial, naquela segunda metade da prova, do amigo Manoel.

“Quero chegar com o campeão”. Sempre divertido já dizia ele na noite anterior. É claro que não era a única condição para sermos felizes, mas se a chance se apresentava...


Lá pelo km 64, Gil reapareceu com a bike, para repor itens em seu isopor e retornar ao auxílio a Pataro, que segundo ele estava chegando no km 50.


Com aproximadamente 6h e meia de prova ia me aproximando do km 70, lembrando das palavras do amigo Luiz Eugênio, sabia que pouco depois iria subir a Serra do Bacamarte, ponto mais íngreme da corrida.


Momentos antes um corredor de quinteto passava por mim, dizendo que as ladeiras de verdade começariam depois daquela baixada, para eu ter cuidado com aquela parte final. Era exatamente por isso que vinha me policiando o tempo todo, nenhuma caminhada, mesmo naqueles momentos de baixa, tão comuns em prova de longa distância.

E foi exatamente na Serra do Bacamarte que arrisquei dar minha primeira caminhada, algo do tipo 45 segundos, e sempre receoso de travar, voltei para meu trote hiper lento (há caminhadas por aí mais velozes). Até chegar ao topo, fiz isso mais umas duas ou três vezes.


Vencida a serra, tratei de botar olho no relógio para manter a velocidade pelo menos perto dos 10km/h.


A essa altura da corrida, um componente fazia toda a diferença: o apoio dos atletas e de suas equipes. Cada vez mais ia encontrando gente que fazia questão de demonstrar admiração pelo fato de encontrar um corredor solo tão adiantado.


“Meu amigo, você é solo? Parabéns, irmão! Olha aqui (mostrando os pelos do braço) estou todo arrepiado”, ouvi de um dos mais entusiastas. Parabéns para todos nós! respondi-lhe.


Turma de Queimadas na Paraíba - vice-campeões com a Dupla  Almir e Roberto e os seus apoios Adilson e Rodrigo

A galera que estava no apoio dava uma força enorme, oferecia água, água de coco, rapadura e muitas, muitas mesmo, palavras de incentivo. Eu, sem me fazer de rogado, ia aceitando e agradecendo a tudo. 

Alcançamos o quilômetro 84, marca da segunda maratona, com 8h e 10 minutos, o que indicava que havia gasto 50 minutos a mais em relação aos primeiros 42 km. A constatação contudo não era tão desanimadora, na cabeça, seguia firme no propósito de manter-me correndo pelo menos até o km 90, onde colocaria em prática um velho e conhecido plano.

Chegando ali, pedi a Manoel que me desse uma garrafa de água a mais e que ficasse parado por 13 minutos ou até passar o atleta que vinha em segundo lugar. "O que ocorrer primeiro", gritei-lhe ainda enquanto me afastava.

Comparo este momento àqueles em que o piloto de fórmula 1 tem que rodar o mais forte que puder antes de fazer o pit-stop, Portanto, tratei de "apertar o passo", algo em torno do 6'30/km, rezando para que o amigo só me encontrasse uns 2,5km à frente, porque isso já indicaria que ninguém havia aparecido em 13 minutos.

E foi o que aconteceu...

Pouco antes de chegar no km 93, reencontraria um animado Manoel que já começava a ensaiar um grito de vitória. 


Na passagem pelo km 95, a bela Campina já se apresentava gigante à minha frente. A emoção de estar prestes a concluir a missão, após tão difíceis dias que vinha enfrentando, aos poucos ia me envolvendo. Os olhos marejavam, mas precisava manter o foco e seguir em frente.

As palavras de apoio, as buzinadas festivas, os oferecimentos de ajuda, iam se multiplicando à medida que a cidade ia se tornando mais próxima.

De repente, ouvi Manoel avisando que ia buscar um local lá em cima e que tão logo eu chegasse à rótula, faltaria apenas pegar a esquerda e seguir numa reta até o Parque das Crianças, local de chegada. 

Ao ver a derradeira ladeira à minha frente, mais extensa que íngreme, resolvi dar uma caminhada. Fui subindo aos poucos, controlando a emoção, e aí, bem no meio dela, veio o susto (rs).

Ao olhar para trás vi um atleta correndo com um padrão muito parecido com o de quem está fazendo longa distância. Definitivamente não parecia ser alguém de um decateto ou quinteto.

Meus amigos, sabe aquela frase "Na hora do medo..."?

Disparei à toda, disparei mesmo. Subi desesperado o resto da ladeira. Na rótula dei uma espiada e mesmo sem ver ninguém, apertei mais ainda o ritmo, reencontrando a dupla de Queimadas que havia me deixado para trás na ladeira e estava tendo o Rodrigo como pacer. 

Ritmo do km 99
Nesta hora passei até Manoel que estava de carro no trânsito (rs). E mesmo ele dizendo "não vem ninguém, não vem ninguém!", na dúvida, pedi licença aos dois corredores e fui embora. 

Quando finalmente vi o Parque das Crianças, ainda dei uma última olhada para trás. E foi com grande alívio que pude constatar que o portal de chegada estava logo depois da entrada.


Missão cumprida, Manoel!

Agora sim, sob aplausos e grande alarido de um certo staff, o sistema de som confirmava: éramos campeões da II Ultramaratona da Serra 100k.



Logo mais partiríamos para localizar Gil e Pataro, encontrando-os em bom ritmo no km 90, e o astral da dupla, que já estava bom, aumentou ainda mais com a notícia de nossa vitória.

Pataro 

Ficaríamos com eles até o final, porém o regulamento da prova previa que a premiação dar-se-ia à medida que chegassem os três primeiros colocados de cada seguimento, desta forma, passamos mais suprimentos para o isopor da bike de apoio e tocamos de volta para a área de chegada, onde mais tarde, extasiados pela missão cumprida, voltaríamos todos a nos reencontrar.

Foto gentilmente cedida pelo Dr. Fábio Spá na Moutain Do Costão do Santinho  5º lugar geral em 2017  (
o chegarmos no Parque das Crianças, fomos informados que o pódio ainda não estava completo, mas infelizmente o vice-campeão (Fábio Spá), por ter plantão numa cidade distante de Campina Grande, precisou ir embora sem aguardar a cerimônia de premiação.


Algum tempo depois, visivelmente emocionados, o simpático atleta Renato Veloso e sua equipe, com quem tive o prazer de trocar ideias, adentrava o Parque das Crianças como terceiro lugar.

No pódio ao lado do Prof. Renato da Equipe ZKSport
Queria fugir da questão idade, mas é tanto atleta me chamando de Senhor (grrrr!), que preciso tocar no assunto (rs). 

Vencer uma prova aos 50 anos tem um sabor muito especial. É como disse ao amigo na "preleção" durante a viagem de carro para o ponto de largada:
"Pataro, vamos dar nosso máximo enquanto ainda podemos, pois a gente tá ficando velho, daqui a pouco tudo vai começar a cair, e nossa maior preocupação nem serão os tempos" (rs).


A gente aprende com o passar dos anos que ninguém consegue nada sozinho, portanto eu sei o quanto devo esse resultado a cada uma das pessoas que se dispuseram a me acompanhar nos dias de preparação, a cada um que teve um pensamento positivo em relação à nossa jornada, ao trabalho árduo de Manoel e Gil durante a prova, ao velho amigo Pataro, parceiro de tantas e tantas preparações/competições, às orientações do amigo e nutricionista Jhonatan Merlo, a todos meus professores de Pilates, etc, etc. e a Deus, sempre.



Por fim, gostaria de dedicar esta nossa singela vitória ao quiropraxista Dr. Douglas Hora, que, como diria minha mãe, abaixo de Deus foi quem me mostrou que era possível seguir em frente, não obstante as quatro hérnias de disco detectadas há 11 anos, e, claro, ao Prof. Marcelo Augusti, o Cara que sempre tem um olhar positivo mesmo naqueles dias em que os treinos não saem exatamente como ele receitou.

Até a próxima!











Pirambu/SE