quarta-feira, 1 de novembro de 2017

JUNGLE MARATHON - UM SONHO REALIZADO


Estamos vivos!

No já distante ano de 2011, a Jungle Marathon apareceu em minha vida. 

Ao ouvir falar daquela prova em meio à Amazônia, que em seu diferente formato exigia do atleta uma semana de autossuficiência, além de certa dose de coragem para expor-se aos perigos da floresta, da sua chegada na querida cidade paraense de Alter do Chão, etc., apaixonei-me à primeira "vista" e, antes mesmo que chegasse ao fim a narrativa, já havia decidido que um dia viveria aquela experiência.

A semente fora lançada e, desde então, seu amadurecimento foi se dando da forma mais lenta e natural possível. As diversas provas trail enfrentadas pelo caminho e seus períodos de preparação transformaram-se, por assim dizer, em água, oxigênio e temperatura adequados, a tríade fundamental para sua germinação.


 Alter do Chão - 1999 - em viagem de bike de Salvador a Caracas
Desta forma, apesar do velho e bom frio na barriga de sempre e de alguns temores específicos para esta prova (medo das travessias, de não me sentir saciado, de novas quedas por causa dos dedos recentemente fraturados, etc.), parti para Santarém esperançoso de fazer uma inesquecível viagem na Jungle.

Ancorava nas décadas de experiência no cicloturismo, bem como no Desafio Salvador Aracaju, ambos cumpridos em etapas, a crença de que ao final de alguns dias todos estaríamos mais fortes e sempre que tinha oportunidade buscava animar os companheiros com este vaticínio.

Se em algum momento deste caminho até a Jungle tive qualquer pretensão competitiva, deixei-a completa e definitivamente quando, a apenas 03 horas do meu embarque para Santarém consegui afinal fechar a mochila e constatar que, sem a água, ela já estava com mais de 12kg.

Estranhamente isso me dava um certo alívio. Sentia-me mais liberado para desfrutar ao máximo de toda a magia daquela semana na selva e, apesar de nunca ter vivido uma desistência, a maior vaidade que carregava comigo era a de poder chegar "vivo" até o fim. 



04 de outubro (quarta-feira): Saindo de Salvador...


Baianos prontos para o embarque

Tal qual um sonâmbulo cheguei ao aeroporto no horário combinado e em poucos minutos a turma dos junglemen baianos já estava toda reunida e pronta para alçar voo. 

Retornar a Santarém / Alter depois de tantos anos era um bônus que a Jungle me proporcionava. Santa Jungle, rs. Entre bacabas, tucunarés e muuuito açaí (e um certo perrengue com uma lanterna de mão) deixei-me ficar até chegar a hora de pegar o barco que nos deixaria no ponto de largada.


05 e 06 de outubro (quinta/sexta-feira): "Navegar é preciso..."



Às 23 horas, uma modesta frota de 03 embarcações deixava o Porto de Palos, digo, o pier de Alter do Chão, para cruzar o Rio Tapajós em direção a Prainha, nosso ponto de largada.

Navegamos por toda madrugada e quando o dia estava amanhecendo fomos presenteados com uma parada numa linda praia que muito me lembrava a Foz do São Francisco.

Apenas por volta do meio-dia chegamos a Prainha, onde fomos recebidos pelos habitantes locais e pela organizadora da prova, Shirley Thompson.



A emocionante recepção dos caboclos mirins era algo a que tinha assistido centenas de vezes em todos os filmes da Jungle e, naquele momento, trouxe-me  uma forte sensação de certeza de que o sonho enfim estava se realizando.

Armamos nossas redes numa especie de quintal onde se iniciava uma mata. 

No local havia dois chuveiros e dois banheiros, daqueles que são apenas um buraco no chão, para outras necessidades (dali até o final da Jungle era sempre o que iríamos encontrar) e logo logo começava a se intensificar o milagre do companheirismo.

Naquela mesma tarde recebemos nossos números de peito e tivemos todos os itens obrigatórios checados. Inclusive, esta foi uma das primeiras missões de Aline, esposa de Regis, que viajara conosco para fazer parte da Jungle como voluntária.

07 de outubro (sábado):  Sons da Natureza

De repente, em meio ao silêncio da madrugada, um som estranho fazia-se ouvir no acampamento. Uma conferida no garmim deixou-me ver que já passava das 2h e meia da manhã. 

A primeira imagem que me veio à cabeça foi a foto da onça que abre esta postagem e que tem andado comigo desde o início da preparação para a Jungle.

Ao tempo em que ia aumentando, o som ia modificando-se para algo muito difícil de descrever. Em algum momento parecia-se com um canto de pássaros, mas noutro lembrava muito o som do vento passando numa fresta de janela. Em resumo era algo meio fantasmagórico e só mesmo estando num local com tantas redes armadas para não "morrer" de medo (rs).

Aquilo ainda duraria mais de uma hora e, aos poucos, em meio à escuridão que reinava, aquele "canto" foi tomando conta de meu espírito. Já não me parecia tão importante ficar imaginando sua origem e, embalado naquela misteriosa sinfonia, voltei a adormecer profundamente.


                 Clique e veja e lembre-se aí é o canto/grito de só um macaco, rs


Pela manhã, o estranho som era o "top trends" do acampamento. Privados do "pai dos burros" da atualidade (Dr. Google) durante toda a competição, recorremos aos "hab-locs" e rapidamente descobrimos que os donos daquela bela festa sonora eram os Macacos Guaribas.
                                     .
Durante o dia tivemos instrução de sobrevivência na selva com Diego, Líder do pessoal do Resgate, e fomos apresentados também à Equipe Médica, que em sua totalidade vem do exterior. Essa dupla, diga-se de passagem, é que torna possível a Jungle Marathon.


Exercendo a função de intérprete, o impagável Paulo Melchior era outro que emprestava todo seu bom humor à prova, tornando-a, sem sombra de dúvida, melhor.

Era o último dia para nos refestelar com a comidinha caseira local.  Àquela altura já havíamos feito amizade com todo o povo da Prainha (eu particularmente me apaixonei por uma senhorinha chamada D. Nanda). A partir de amanhã, somente poderíamos contar com as coisas que estivessem em nossas mochilas.


Giovanni e Pataro mandando ver na comida caseira local
Às 17 horas mandamos para os barcos nossas malas sobressalentes e depois fomos brindados com um singelo espetáculo de carimbó que celebrava a farinha, a pesca e a cabocla amazônica.

Fazendo jus à velha teoria de que "baiano não nasce, estreia", a turma da Bahia foi destaque na festa. Um verdadeiro show à parte, como de mais a mais (sei que sou suspeito para tal afirmação) viria a ser em todo o desenrolar desta edição da Jungle.



Encerrada a apresentação, era chegada a hora de voltar à realidade e principiar  os preparativos e a concentração para o primeiro dia de prova.

Não obstante a maravilhosa acolhida e convivência na Prainha (paraíso perfeito para completar a carga de nossas "baterias"), era visível nos atletas a enorme vontade de dar início à viagem de volta a Alter do Chão.

Na verdade, diferentemente das últimas edições, o final fora alterado para a Ponta do Jaguarari. Segundo a organizadora, a inglesa Shirley Thompson, o motivo era fazer com que a prova se desenrolasse na Floresta Nacional do Tapajós.



A fama da preservação, das belezas cênicas da FLONA, e a sempre proximidade das águas verdes e mornas do Rio Tapajós, tornavam ótimas as perspectivas para os quase 40 atletas (brasileiros, apenas 11) prestes a partir naquela viagem de aproximadamente 242km.

08 de outubro (domingo): Bem Vindos à Jungle

1ª etapa - 22km 


10, nine, oito, seven, seis, five, quatro, three, dois, one, Pemmmmmm! Go! Com um "até breve", fomos.

Por causa das modificações, após o final da quarta etapa todos os sobreviventes seriam trazidos de volta para a largada da etapa longa, e naquele momento, com certeza, poder rever a Prainha era tudo que pedíamos a Deus.


Em poucos minutos não pensaríamos mais em nada que não fosse evitar tocos, cipós e nas centenas de troncos de árvores para pular.

Para os dois primeiros dias, por questão de segurança e visando uma melhor adaptação do corpo à umidade amazônica, teríamos que respeitar uma regra que exigia parada de 15 minutos em todos os postos de controle - PC (em média distantes 8 km entre si) e logo alcançávamos o primeiro dos inúmeros igarapés.



Após refrescantes 15 minutos, tão logo saímos do PC no igarapé, começamos a encontrar a um dos obstáculos mais famosos da Jungle: os Igapós.

Num momento você está sobre a água, no próximo passo seu pé afunda e o lamaçal por vezes lhe envolve até a altura da virilha. Divertia-me lembrando dos ensinamentos de Márcio Villar: "faz pé de bailarina pra tirar o pé da lama, senão teu tênis fica lá e você nunca mais o encontra".

Mantendo o ritmo que me aconselhava a prudência e me permitia a mochila atulhada de comida às costas, entre trilhas, charcos e estradões, após pouco mais de 06 horas de corrida alcancei a Comunidade Pini, ponto de chegada da primeira etapa.


Ao longo da tarde, paulatinamente, os atletas iam chegando. Neste primeiro dia a primeira baixa já foi anotada, mas se tratava de uma corredora da região que competia na categoria FLONA: 04 dias - 127km.

Buscar um bom lugar para armar a rede, tomar banho e começar a comilança para diminuir o peso da mochila era um ritual a ser repetido até o fim da prova.

09 de outubro (segunda): Medo, pra que te quero?

2ª etapa - 23km 

Desperto após uma excelente noite de sono. Enquanto buscava água quente para dissolver o conteúdo do meu saco de geladão (leite em pó, hiper calórico, aveia em flocos e pasta de amendoim) uma frase ecoava na minha mente: "Você vai ficar bem, Encarnação.". É, ao que parecia, a dieta de 7.000 kcal prescrita pelo Dr. Jonathan Merlo estava surtindo efeito.

Morrera de medo de ficar com fome, melhor dizendo, de não ter a sensação de saciedade, principalmente nos momentos em que não estivesse correndo e sentia-me feliz agora por ter transposto com relativa facilidade aquele obstáculo mental.



Entretanto, outros fantasmas ainda estavam a me perseguir...

As travessias que marcavam as largadas das segunda e terceira etapas foram um dos receios que carreguei durante toda a preparação para a Jungle Marathon.

Mesmo sabendo da presença a postos da galera do resgate e que haveria uma corda estirada de uma margem à outra (sem contar que no próprio site da prova afirmava-se categoricamente que para ser um Jungleman não era necessário saber nadar), não conseguia deixar de sentir aquele frio (glup) na barriga.

A contagem regressiva chegou a 0 e, mochila e tênis dentro de saco de lixo para evitar a molhação geral, lá fui eu disposto a tentar não ter que recorrer à travessia de barco 10 minutos após a saída do último atleta do outro lado do rio, conforme ditava a regra.


Com naturalidade, os mais à vontade foram se jogando n'àgua. Com naturalidade, fui ficando por último (rs). Lembro-me de que o amigo Ivanzinho lançou-me um olhar do tipo: "eu estou aqui se precisar de ajuda". Respirei fundo e fui. E não é que foi fácil?

Deixei o Igarapé na margem oposta tremendo de emoção e enquanto ia lentamente me arrumando para dar início à corrida, todo meu espírito era somente sorriso e contentamento.


Parti tão feliz (e desconcentrado, rs) que antes mesmo de completar o primeiro quilômetro,  perdi o rumo das fitas. O pior é que só me dei conta numa bifurcação, daí entrei numa trilha à direita buscando achar as marcações, retornei, entrei numa trilha à esquerda e nada.

O jeito foi seguir a orientação e retornar até reencontrar a última fita avistada, dali fazer um giro de 360° com o olhar para encontrar a próxima fita e pôr-me a caminho. Àquela altura eu era o último colocado do dia, mas verdadeiramente não estava me importando com isso, estava ainda sob o efeito da alegria pelo medo superado.
Aquele era um dia apontado como fácil pela organização, chegaram mesmo a usar a expressão "presente". Mesmo não sendo exatamente um "mamão com açúcar",  aos poucos fui alcançando os outros atletas e me divertindo com a ziguezagueante viagem (trilha/estradão) de 05h e 20min até alcancar o pórtico de chegada na Comunidade Tauari.

10 de outubro (terça): Eternamente grato!

3ª etapa - 37km 

Como já disse aqui, a terceira etapa também começava com uma travessia de igarapé, inclusive maior que a do dia anterior. 

Dormi, e acordei esquecido daquela sensação de frio na barriga. Não fui obviamente o primeiro a me jogar na água, mas parti tão confiante para a largada que desta vez nem tirei os tênis dos pés. Não é que amarelei? (rs)


Assim que principiou a não "dar pé", comecei a afundar e a sensação ruim de bater os pés com os tênis pesados me fizeram buscar apressadamente o retorno para a margem para descalçar os pés e me sentir mais seguro para nova tentativa.

Uma das médicas que estava no meio do rio para dar uma força aos atletas, percebendo minha manobra desesperada e, enquanto me mostrava com os olhos a minha mochila a flutuar, começou a dizer: You are fine! You are fine!

Soubesse falar sua língua, na hora teria gritado: I'm not well, Doctor. I'm scared! Mas como não sei patavina de inglês, após dizer várias vezes, "tô fine nada, tô fine não", envolvido por seu olhar que demonstrava entender o que aquela luta poderia significar para alguém, buscando respirar de forma lenta e profunda, fui me acalmando, chegando mesmo a sentir que era possível dizer-lhe que não precisava mais se preocupar comigo. Na dúvida, porém, aceitei sua companhia até chegar ao outro lado. 


Recomposto e agradecido, dei início à corrida propriamente dita. Segundo a organização (e o zum zum zum geral dos atletas) aquela era a etapa mais complicada da Jungle. Era também o dia que dormiríamos na mata fechada, longe de qualquer comunidade e num pedaço de selva onde é alta a frequência de aparição de onças pintadas.


Era o primeiro dia sem a obrigação das paradas de 15 minutos nos postos de controle. Apesar do muito sobe e desce do trajeto (as subidas apesar de íngremes são pequenas), o terreno agora apresentava trechos com maior possibilidade de correr e acabei fazendo uma corrida mais fácil, atingindo a meta com 7h e 30 min de viagem.


No acampamento, a reclamação de abafamento era geral. Os grandes animais não foram vistos, mas aranhas e escorpiões eram "mato". Outro detalhe bem marcante deste dia era a falta de local para tomar banho.
Comida Liofilizada e Aranha

Os doutores começaram a ter mais trabalho e as primeiras baixas no pelotão que faria os 07 dias de corrida começaram a acontecer.


No briefing que sempre acontecia no final da tarde / início da noite, alegando que não havia feito calor nos dois primeiros dias (sério? rs), o que, segundo ela, impossibilitou a almejada adaptação ao clima amazônico, Shirley Thompson nos informou que, por conta do alto número de desistentes,  as paradas de 15 minutos em cada PC retornariam na etapa de 42 quilômetros do dia seguinte.

Diga-se de passagem, as desistências ocorridas naquele dia específico, não chegaram a ser uma surpresa para nenhum dos corredores. Estava bem nítido para todo mundo que tinham mais a ver com não estar devidamente preparado naquele momento, do que com o fato de haver chovido nos dois primeiros dias. Alguns atletas chegaram a esboçar alguma reação contra a mudança da regra no decorrer do "jogo", mas  na Jungle, quando a "mamãe" Shirley diz uma coisa, não há argumento que dê jeito (rs).

Mais uma coisa precisa ser dita, a concepção da Jungle Marathon e toda logística envolvida na prova, tudo sob a regência daquela incrível mulher é fantástica, capaz de impressionar mesmo gente que faz eleição como eu, rs,  



11 de outubro (quarta): A Maratona e o Pântano

4ª etapa - 42km

Sabe todo aqueles rituais pré-maratona que aprendemos ao longo de nossa formação como maratonistas? Jantar de massa, dormir cedo, etc.? Esqueça-os.

Às 6:30 da manhã, cada vez mais irmanados, sem sequer direito a banho há mais de 24 horas, o exército da Jungle estava pronto e cheio de disposição para encarar os 42 km trail, que marcam também o fim da etapa de 127 km. 


A sensação de sujeira não demorou a ir embora pois, com cerca de 09 quilômetros chegamos ao que, na minha opinião, viria a ser o ponto alto da prova: o Pantâno.


Com várias latas de sardinha, comida liofilizada, sacos de geladão, de castanhas, etc, a menos na mochila, o caminho até ali até que fora tranquilo, fazendo-me crer que a Organização estava certa, quando classificou como tranquila a etapa da Maratona. Qual nada...

No princípio era apenas água limpa, e o Igarapé era refrescante e apreciável e tudo em volta era só beleza. Meu Deus, como era bom estar de volta ao Norte do meu País!
Depois começaram os  encontros entre minhas canelas e os milhares de troncos de madeira submersos. Por mais devagar que avançasse não conseguia evitar os dolorosos choques. Tudo bem, a grandeza e a paz daquele lugar compensavam as tíbias destroçadas.

De repente tudo parecia chegar ao fim. As fitas indicavam que era hora de subir para terra firme. Ledo engano. O "caminho de canoa" metamorfoseara-se em igapó. Desci e ainda havia água, ainda havia troncos e esbarrões e, acompanhando tudo isso, lama, muita lama, muita lama mesmo! o que tornava ainda mais penoso (e até divertido, rs) o avançar.

Sei que não foi fácil para ninguém, mas o fato é que naquele trecho fui passado pela metade da torcida do Corinthians e somente após quase 2 horas de travessia e com a mochila pesando uma tonelada, consegui deixar o Pântano para trás.
O próximo trecho era de areia de praia fofa. Que bom! rs

Ao ouvir soar a marca dos 12 quilômetros em meu Garmim com 03 horas de prova, não pude deixar de pensar "que raios de dia fácil é esse!" rs. A promessa de que os 30 quilômetros restantes do percurso seriam mais tranquilos, "só trilhas leves e estradão", era um bom alento.

O sérvio, o australiano, o holandês, os três brasileiros, etc,  mentalmente ia fazendo uma conta de quantas pessoas estavam na minha frente, pois sabia que as lanchas que nos levariam de volta à Prainha partiriam à medida que completasse a lotação de 09 passageiros.

Arranjar uma vaguinha na primeira lancha era ótima motivação para seguir concentrado na corrida, pois a segunda só partiria  quando chegasse o 18º  corredor, e isso certamente representaria horas a menos de descanso na Prainha.

Outra deliciosa motivação daquele dia (vi muita gente falando emocionada deste momento depois) foram os gritos de incentivo vindos de uma escola de garotos quando passávamos por uma "vilazinha" a caminho da Ponta de Jaguarari.


De volta a Prainha
Com quase 08 horas de prova, fui exatamente o nono atleta a finalizar a Maratona, e nem bem acabei de chegar, já reconheci a voz de Paulo Melchior gritando para eu agilizar pois a primeira lancha já iria partir. 

Nossa "volta pra casa" foi saudada por uma daquelas torrenciais chuvas que andou caindo por toda a semana. Naquela noite, ganhei de D. Nanda uma espécie de cobertor e foi a única vez que dormi numa rede não molhada nos meus dias de Jungle.



No briefing ficamos sabendo que a largada da etapa longa, que tradicionalmente acontece de madrugada, seria adiada para as 06 horas da manhã.

Ali também tive a confirmação de que tanto o pântano quanto as travessias dos igarapés de Pini e Tauri estavam incluídas nos 100 quilômetros a percorrer. Se o meu negócio na Jungle era diminuir temores, acabara de ganhar novas e excelentes chances para trabalhar os meus medos.

12 de outubro (quinta): A Etapa Longa (Mea Culpa)

5ª etapa - 100km (60 km)

A etapa também conhecida como non stop tem como grande atração um Ponto de Corte. Este ano o ponto ficou exatamente na metade do trajeto, na Aldeia Bragança, onde vivem o povo Munduruku. 

A regra do corte "era" a seguinte: Todo atleta que conseguisse passar do Km 50 antes das 16 horas, ganharia o direito de prosseguir até completar os 100 km, os demais só poderiam sair da Aldeia no dia seguinte.

Para efeitos de competição, é um momento que influencia bastante no resultado final, pois o relógio não para para os atletas que ficam retidos no Corte e na Jungle, o vencedor é aquele que na soma dos tempos de cada etapa fez a prova em menor tempo. 

Só para dar um exemplo, o atleta da Sérvia, que vencera as quatro primeiras etapas, tinha colocado apenas pouco mais de 1 hora de vantagem para o segundo colocado, numa remota hipótese de não conseguir passar do Corte, poderia tomar só naquela etapa mais de 12 horas de diferença.

Alheio às questões competitivas, levava comigo o desejo de passar no corte, não por causa da classificação (que sequer estava acompanhando), mas para evitar correr sob o sol no dia posterior. Com este pensamento, despedi-me da Prainha, com entusiamo e ritmo adequados de quem sabia que teria um longo dia pela frente. Só passaria no ponto de corte se fosse naturalmente...


O começo da corrida foi uma confusão só, aumentando ainda mais a aflição dos que buscavam alcançar (e deixar) a Aldeia de Bragança antes das 16 horas. Algumas fitas de marcação haviam sido retiradas e de repente todos estávamos perdidos, somente após uns 20 minutos, fomos guiados para o caminho certo e então, aos poucos, os atletas foram se distanciando uns dos outros. Começava, finalmente, a etapa longa. 

Em breve já estava passando no Igarapé que havia sido Posto de Controle no primeiro dia. Vieram as travessias de Pini e Tauari. Se não as encarei cem por cento seguro, decerto não levava mais em meu rosto a expressão de angústia dos primeiros dias. Encarando com bom humor os agora diminuídos receios, avancei sobre aqueles antigos "monstros".

Sem pressa, a cada "desembarque" na margem oposta, iniciava o ritual de recolocar a mochila nas costas, o tênis no pé, arrumar as garrafas, etc.,  e feliz com as conquistas, tranquilamente voltava a por o pé na trilha. A semana voara e já começava a sentir saudades de tudo.

Quando cheguei no penúltimo P.C. antes da Aldeia Bragança, resolvi ligar finalmente meu Garmin (vinha poupando-o para usar à noite caso conseguisse passar no Corte) e vi que eram 15:10. 

Ali mesmo descobri que restavam 08 km para o icônico PC. Sentia-me razoavelmente descansado e, torcendo para que o trajeto restante não fosse todo dentro da mata, resolvi apertar o passo para ver se conseguia ganhar o direito de seguir noite adentro.


Seguia apertando, apertando. E nada de chegar no estradão que me lembrava ter antes da Aldeia Bragança. Numa correria meio louca (caí mais vezes neste trecho que em toda a Jungle) acabei ultrapassando 04 atletas.

E finalmente apareceu o estradão. Aquela visão, que buscara ansioso nos últimos 40 minutos, surgiu justamente no momento que comecei a sentir a cabeça rodando. No último posto, tomara o único carboidrato que estava à mão. 

Levava sempre na mochila da frente o suprimento intra-corrida do dia (os saquinhos eram todos numerados por etapa) e para aquela, planejara transferir a comida do "dia seguinte/etapa 6" somente no caso de conseguir "passar de fase".

Com medo de cair, esperei o emparelhamento do último corredor que havia ultrapassado e, quase chorando (rs), sem sucesso, pedi-lhe algo doce que pudesse jogar para dentro e melhorar aquele horrível mal-estar.

Buscar algo dentro da mochila principal, tão difícil de "desvestir e vestir" poderia ser fatal para as minhas pretensões e agora que chegara tão perto, queria viver a experiência (já contada por tantos amigos que fizeram a Jungle antes) de correr/andar durante a noite amazônica.


Não houve jeito, havia consumido todas as minhas reservas de energia, e mesmo ouvindo de crianças à beira da estrada que estava pertinho da chegada, parei, abri a mochila e a primeira coisa comestível que encontrei, enfiei goela abaixo e, de forma cambaleante, cheguei ao posto às 15:59.

A regra dizia: Chegar e Sair antes das 16:00. A Shirley se encontrava no PC e questionando-a, aflito, se os 10 minutos de atraso da largada seriam considerados agora no Corte, depois de um instante de titubeação, recebi como resposta a seguinte frase:  "Será, mas você tem que sair agora". 

Mesmo achando a resposta contraditória, na dúvida, saí imediatamente, sem nem ter conseguido encher meus vasilhames de água, levando comigo uma raiva tremenda da loucura que eu havia cometido. Preguei o tempo todo que só passaria no corte se fosse naturalmente e quase que botei a perder um projeto de tantos anos.

Sim, porque a prova em si (afora os grandes desafios aquáticos), vinha sendo bem tranquila. Não havia sentido um desconforto muscular, um travamento, nada além de cansaço normal de prova, que as muitas e prazerosas horas de acampamento tratavam de restaurar. Vinha vivendo um dia de cada vez (meu conselho para quem vai enfrentar esse tipo de prova) e naquele momento havia sido estupidamente imprudente. 

Houvesse desmaiado ali na frente dos médicos e poderia ter sido retirado da prova (entre outras regras, caso o atleta receba soro ele fica desclassificado). Não me perdoava só de pensar que podia ter estragado um sonho cultivado há tanto tempo e com tão altos custos.


Uns duzentos metros à frente, juntei-me a outros dois atletas que também haviam passado no corte nos minutos finais e agora estavam literalmente jogados no chão, dando um tempo para recomeçar a peleja.

Com a cabeça ainda a rodar e muito chateado comigo mesmo, sem cerimônia, atirei-me ao chão justamente em cima de um formigueiro, rs. Alertado do perigo por um morador da região, juntei forças para me afastar das formigas, esquecendo-me, porém, de levar junto a Mochila. O negócio estava tão feio que não tinha forças sequer para voltar lá e catá-la, o jeito foi apelar para os atletas por um pouco de água e comida. Mais tarde, quando o mundo principiou a ficar mais estável, pude retribuir-lhes a ajuda dividindo uma solução proteica de chocolate (Isofort).


Cerca de 50 minutos depois, reiniciamos nosso caminho. Rapidamente fui ficando para trás. De todos os sobreviventes da Jungle até aquela etapa, eu havia sido o oitavo e último a conseguir superar o Ponto de Corte. Por isso mesmo, tinha à minha retaguarda, de forma recuada, o acompanhamento de dois integrantes do Resgate.

Era sem dúvida o momento mais complicado da prova, pois além do estresse que havia passado, precisa racionar minha água até o próximo PC, distante 11 km e com muito sobe e desce na mata.


Foram 03 horas bem duras e demoradas, entretanto quando a uns dois quilômetros do PC, fui recepcionado por seu Ruy com sua espingarda anti-onça, já me sentia recuperado o bastante para incitá-lo a um trote na mata. Mal fechei a boca e para minha surpresa, o Caçador disparou à frente e eu, achando aquilo divertido, parti no seu encalço já mais conformado com o risco desnecessário que passara, chegando ao PC me sentindo refeito e feliz. 

Estava tão contente e elétrico que várias vezes ouvi da médica a quem recorri para tratar da minha primeira bolha (fruto da minha "dormida" no chão depois do ponte do corte) a seguinte frase: Are you craze?! Are you Craze?!

Mas o pior ainda estava por vir...

Quando estava me arrumando para prosseguir, um dos rapazes do Resgate que havia se ausentado momentos antes, voltou do morro (onde o rádio de comunicação funcionava) dizendo que a Organização havia proibido o prosseguimento dos atletas que estavam naquele PC, porque era perigoso passar no Pântano à noite.

Completamente obcecado pela possibilidade de viver aquela experiência, de aproveitar o frescor da noite para seguir correndo/trotando até o fim (ou o mais próximo disso), de evitar mais um dia de sol na estrada, tratei de ignorar o aviso, afinal não havia ouvido nada no rádio e por um momento achei que o rapaz estava com preguiça de deixar aquele PC. 


Há alguns minutos ele havia me perguntado se eu iria andar ou correr pois ele estava de Coturno, ao que eu sorrindo, respondera: Vou voar, se vire, rs. Então, quando ele me trouxe esta notícia, disse-lhe que não precisava seguir comigo, mas que eu iria embora,  e fui...

Àquela altura a mata era completamente escura e cheia de sons misteriosos,  munido da minha lanterna de cabeça, inexistia em mim, porém, receio de onça ou qualquer coisa do tipo. Sabia que não faltava mais que dois quilômetros para chegar num estradão a caminho do apavorante pântano e, confiante, lembrava-me da frase de Shirley na noite anterior quando eu lhe perguntei se não havia perigo de passar no Pântano à noite, por causa dos hábitos noturnos de certos animais: "Será a parte mais linda da Jungle Marathon, pois estará toda enfeitada de Cialumes".

Para meu azar (ou sorte, sabe lá Deus) aquele PC era único na Jungle, pois em vez de seguir em frente como todos os outros, ele fazia com que retornássemos pelo mesmo caminho que havíamos chegado. Então quando me dei conta que poderia sem querer estar voltando para o PC anterior, pacientemente iniciei o retorno para consultar o pessoal onde seria a bifurcação.

Mal voltei os passos na direção contrária, encontrei com o mesmo integrante do Resgate que me "rebocara" depois do Corte. Externando um tom de preocupação com um possível desclassificação minha na prova ("eu já estou aqui há várias edições e sei como o negócio funciona"), dizendo ainda que até preferia seguir para dormir no outro PC (por lá ser menos rústico), ele me aconselhou que tentássemos manter contato via rádio com a Base para reportar a situação.

Quando alcançamos um ponto onde o rádio estava "pegando", principiamos a comunicação. Rômulo para Base, Base para Shirley, Shirley para Base e antes mesmo da Base nos reportar (todas as conversas são ouvidas) já sabíamos da negativa.

Chateado, entristecido, pedi ao paciente Rômulo que fizesse uma nova tentativa, argumentando que eu apesar de ter demorado para chegar no PC já me encontrava inteiro, que não era justo aquela mudança de regra de última hora, que não havia dois cortes, que eu dispensava inclusive a presença do Resgate mas que ele próprio não se opunha a ir comigo, etc.

Naquele mesmo momento um brasileiro estava sendo escoltado para conseguir chegar em Bragança (sabíamos por ter ouvido pelo rádio) e naquele caso ela deixara o Resgate decidir se o acompanhava ou não, etc.


Pelas ondas do rádio, sem a menor explicação para a decisão, ouvi a arrogante e ameaçadora sentença: "Se ele sair daí, eu mesma o esperarei na saída do Pântano para levá-lo a Santarém desclassificado".

De uma vez por todas, a indignação tomou conta de mim. Não era justo. Foi preciso muito controle para literalmente não chorar de raiva. Tive ímpetos de seguir em frente. Se fosse uma prova aqui no quintal de casa, em que não houvesse investido tanto tempo e dinheiro, teria ido, estou certo que teria ido. Mas naquela hora não queria arriscar meu sonho. Tudo que vivera até ali era muito maior que a pessoa que mais uma vez mudava a regra com o jogo em andamento. Destroçado, buscando resignação e ainda a digerir o sapo que acabara de engolir, voltei ao acampamento. 

Antes de desligar o rádio ainda deu tempo de ouvir outro absurdo: Só poderíamos sair do PC às 6h da manhã. Lá na Aldeia Bragança, aqueles que ficaram retidos por não passar no Corte, largariam 5h e 30. Acho que até ri nesta hora, rs.

13 de outubro (sexta): A geral sensação de missão cumprida.

6ª etapa -  (40 km)

Após uma noite muito mal dormida, em que não havia cuidado direito nem de alimentação nem de hidratação, restavam ainda, 40 quilômetros para chegar na Ponta do Jaguarari.

Partimos pontualmente às 6h (rs) e já estava até achando engraçado a cara de espanto que faria o corredor que saísse do ponto de Corte e me ultrapassasse, rs. Não estava muito seguro (sabia que muita gente boa havia ficado no Corte) mas ia tentar evitar esse vexame, rs.



Cheguei ao pântano (agora tão seguro de passar) e recomecei minha viagem de quase duas horas com direito a um pouco menos de porradas na canela que da primeira vez. Lá dentro fui alcançado pelos dois corredores que haviam saído comigo do mesmo PC e rapidamente os perdi de vista.

O sol ia esquentando como a me gozar: "tava querendo fugir de mim, não é? rs". Reconectado com o espírito do lugar, limpei da minha alma tudo que fosse ruim. Até cheguei a pensar em algum momento que ficaria menos chateado se recebesse da organização alguma explicação ou pedido de desculpas, mas não alimentei muito esse devaneio, nem coloquei isso como condição para ser feliz.

Com sensação de "que pena que vai acabar",  ia curtindo os últimos quilômetros da Jungle. Ileso (e sem mais ultrapassagens, rs) cheguei ao acampamento às 12 h. Amanhã ainda haveria 18 quilômetros para vencer,  mas era incrível como todos ali e todos que ainda iriam chegar já tinham a sensação de missão cumprida.


Em pouco tempo começavam a chegar os atletas que saíram da Aldeia Bragança. Fiquei extremamente feliz com o fato de ser o baiano Regis Leal (vários bons corredores não haviam conseguido ultrapassar o ponto de corte) o primeiro corredor a cruzar o Pórtico. Era uma espécie de vitória simbólica nos 50 km daquela turma. 


No acampamento, os dois corredores brasileiros que estavam entre os 05 que haviam passado mais cedo no corte mostraram-se bastante indignados com minha estória, inclusive porque eles sabiam que, à exceção do Sérvio, todos os corredores haviam passado o tenebroso pântano à noite. 

Em boa hora recebi da organização vários emails que não me tinham sido entregues antes. Essa é uma outra coisa muito legal da Jungle. Sempre um momento de emoção para quem está isolado há tantos dias.

Àquela altura minha indignação já se transformara em pouco caso. Tenho por costume dar mais importância ao que tenho do que reclamar do que não tenho. Ainda que estivesse preocupado com classificação, o prejuízo nem foi tanto, pois o máximo que teria alcançado seria o 6º, 7º ou 8º lugar e a premiação só era para os três primeiros colocados de cada gênero.

Naquele dia, sempre junto com seu inseparável parceiro de Jungle, o paranaense Marco Aurélio, o baiano Pataro foi o último a chegar, e foi com muita alegria que fui esperá-lo a cerca de 1 quilômetro da chegada, para no meio da escuridão, e com voz disfarçada, lançar a pergunta: Vocês são aqueles dois rapazes que estão prestes a se tornar Junglemen? 


Marcos e Pataro numa das chegada durante a semana
Aquilo era para festejar muito mesmo, afinal de contas, aquele meu amigo que sempre foi conhecido por ter medo de "Quero-Quero", vencera a Selva em sua primeira tentativa com o gratificante bônus de ter sido decisivo para que o paranaense Marco não repetisse a desistência do ano anterior.

14 de outubro (sábado): A surpresa e o famoso sorvete

7ª etapa -  (18 km)

Na noite anterior, Sara (Shirley não esteve no acampamento) havia anunciado a largada da etapa final para as 9:30. O objetivo da saída tão tarde era fazer coincidir o horário da chegada com o horário do almoço: um churrasco muito esperado por todos.
Neste dia alguns médicos se juntaram aos sobreviventes para fazer o trecho que ia ser dividido entre estradão e areia de praia.

Àquela altura a competição já havia sido praticamente decidida. Furtado, o brasileiro que assumira a quarta colocação na etapa longa, precisando tirar 09 minutos de diferença, era a única esperança de mudança no pódio masculino, mas dificilmente o trecho curto e de relativa facilidade proporcionaria ocasião para tirar tanto tempo. Mas havia uma esperança e estivemos na torcida até o último momento.

O campeão geral da prova, o simpático sérvio Jovica Spajic, sábia e modestamente, não cansava de de repetir: "We are all champions". 



Nada mais verdadeiro nesse tipo de prova. Em meu entendimento, aliás, os maiores guerreiros eram aquelas pessoas que, mesmo chegando tarde e tendo muito menos tempo de descanso, perseverando, estiveram sempre prontas e sorridentes no dia seguinte para continuar a batalha.


Depois do estradão vieram a areia e a praia de linda paisagem. Levava o coração apertado e meus olhos marejavam de saudade daquela semana nômade. 



Entre os brasileiros (minoria na prova) apenas uma desistência. Os Junglemen saídos de Salvador, como diria um certo amigo, haviam todos honrado o termo sagrado: Os baianos.


Acabei ficando num modesto top 10, até sonoro demais para as minhas pretensões na prova (junto com Giovanni, que estava fazendo a Jungle pela segunda vez e foi o baiano melhor colocado na prova). Aliás, houvesse corrido com a metade do peso e certamente não teria chegado ao pódio também. Muito maior que isso, sem dúvida, foi o aprendizado destes dias, a amizade desenvolvida principalmente com a turma brazuca e toda a gente que torna possível a Jungle Marathon.


Outros destaques, sem dúvida, foram a facilidade com que Rogério (por mais que ele diga que não, rs), pela primeira vez numa prova deste gênero, atravessou a semana e a sua influência para a ótima prova que fez Ivanzinho, que este ano conseguiu dar a volta por cima e finalmente levar para casa a tão sonhada medalha de barro.



Estou nesse clima de fim aqui, mas ainda havia uma surpresa. Não que não tivesse sido avisado na noite anterior, mas avistar um ilha lá no meio do rio/mar é muito diferente de saber que teríamos um quilômetro de natação ao final dos 18 km.

Coincidentemente, assim que entrei no mar/rio (é tão grande que só dá vontade de chamar de mar) reencontrei a Doutora que me salvara na travessia de Tauari exatamente no momento em que ela estava entrando numa lancha. 



Senti que ela, ao reconhecer-me, instintivamente desistiu da subida e olhou para mim a perguntar: It's ok?

Com uma cara do tipo, já que não tem jeito, rs. respondi-lhe. "So, So". E ela, crédula coitada (rs), embarcou na lancha.



Havia uma corda estendida. Que viagem longa, não chegava nunca. Ora tentava nadar, ora segurava a corda, ora negociava com algum dos rapazes da galera do resgate (que estava postada ao longo da corda) meu prato de churrasco por uma carona de lancha.


Para variar, um milhão de pessoas me passou dentro d'água, mas eu não estava mais com medo. Antes, até me divertia com minhas fraquezas. Não saí de lá curado eu sei, mas como de outras vezes, voltei para casa com um pouco mais de força. Por fim, passei a nadar (vamos chamar assim, rs) de costas para não ver o quanto faltava, até que cheguei na parte rasa.


Com os "meus ombros suportando o mundo" de água que entrara na mochila fiz o ultimo esforço para subir o banco de areia e cruzar o pórtico, onde uma sorridente Shirley me esperava com a minha linda medalha numa mão e na outra, um sorvete do qual muito já ouvira falar.

Provei imediatamente do sorvete e pareceu-me a coisa mais gostosa do mundo, precisava botar para fora e sem pestanejar falei: "Ah! Enfim, o famoso sorvete".

Parece que ela achou engraçado, pois enquanto balançava a cabeça divertidamente, repetia (em bom português) para uma pessoa ao seu lado:

"O famoso sorvete!" 


                      Clique para sentir a emoção da chegada (Atleta Portuguesa Anna
* * *
Obrigado, Deus! 

Obrigado, Prof. Marcelo Augusti, por mais uma vez ter me conduzido até um sonho. 

Muito obrigado também a você, querido leitor, que teve a paciência de chegar até aqui, e caso tenha ficado com vontade de fazer uma prova desta natureza, lembre-se:

 "A Floresta é um ser vivo onde você vai penetrar. Um ser vivo como milhares de seres vivos que o compõem, exatamente como nossos corpos.

Adentre no seu corpo florestal pedindo licença e permissão humilde e amorosa para entrar.


Não corra dentro dela. Faça amor com ela e ela abri-se-á para você mesmo que suas pernas corram. Se for o caso, desvie para não ferir vidas e ela lhe mostrará outros suaves caminhos.


Seja forte e haverá antes e depois desta experiência, um corredor vai entrar e se você se permitir, um novo ser humano irá nascer.


Vá em Deus!"



                             



Aline (que foi para Jungle e trabalhou como Voluntária) e Pataro na viagem de barco






Rogério, tentando ficar bonito, rs