|
Pé no Chão: Rubem Fernandes, Guga Loyde, Marcondes Lyra, Marcelo Victor, Roberto Encarnação |
Os dois dias gastos (e intensamente vividos) para
cumprir os 300km entre as cidades potiguares de Mossoró e Natal são daqueles
que jamais poderão ser esquecidos por quem esteve presente na 5ª Etapa do
Projeto Correndo o Nordeste.
Não se pode dizer que alguém deixe de buscar dar o
melhor de si durante a prova; numa corrida feita em equipe a auto-cobrança
sempre existirá, porém a maior beleza desta competição é exatamente a pouca
influência que isto (a competitividade) tem no resultado geral.
Cheguei a Mossoró sem experiência em provas desse tipo,
fizera antes apenas um revezamento da Braskem em 2007 e no ano passado
participara, como Juiz, do 1º dia da Etapa Salvador - Aracaju, entretanto
levava comigo a certeza de que iria fazer parte de um evento ímpar. Acertei é
verdade, mas nem de longe poderia imaginar quanta emoção viveria nesse final de
semana.
Houve sim muita ladeira, sol quente, câimbras, suor e
cansaço, mas essas coisas serviram apenas para ressaltar os valores pelos quais
se pautou a maioria das equipes envolvidas. Nenhuma pedra no caminho jamais
será páreo para o companheirismo, a amizade, a solidariedade e a generosidade
demonstradas em larga escala nesta Ultramaratona de Revezamento Mossoró -
Natal.
Deixei Salvador sabendo que faria 04 trechos de mais ou
menos 15km cada (dois a cada dia) e meio que inconscientemente acabamos achando
que, cumprida nossa parte, o dia estará terminado. Não, não é assim. Na verdade
a coisa toda só terminou para mim (e para a maioria das pessoas) quando a
última equipe chegou a Natal.
|
Vibração da Equipe STI - Runners em sua chegada |
A demonstração de felicidade dos derradeiros atletas a
chegar aos Três Reis Magos (que pouco se difere da emoção demonstrada pelos
vencedores da prova) e a vibração de todos que estavam ali só faz reforçar o
caráter peculiar desta corrida que em tudo parece reverberar a luz do seu
representante maior: Lula de Holanda.
|
Lula de Holanda |
Correndo seus trechos e prestes a completar 60 anos,
não obstante a desgastante responsabilidade de Organizador, o Presidente da
ACORJA contagiava a todos com sua alegria
pueril.
|
"Betinho, olha em meus olhos, diga que me ama", rs |
Contraponto perfeito à famosa “hiperatividade” do
Presidente, Gilmar Farias, também responsável pela Organização, como sempre deu
show de educação e competência toda vez em que foi preciso dirimir dúvidas sobre
as regras.
As intervenções de Gigi, sempre marcadas pela firmeza serena de seu caráter, só perdiam em elegância para a forma tecnicamente perfeita usada por ele em seus "voos" pela Caatinga Potiguar.
|
Gigi gazelando |
Na "Pé no Chão", equipe na qual tivemos (Rubem e eu) a honra de competir, o entrosamento com os demais integrantes (Marcelo Victor, Guga Loyde e Marcondes Lira) foi quase que imediato.
Nossa chegada à cidade de Lages (primeiros 150km) merecia um post à parte. É grande a tentação de relatar ponto a ponto todos os detalhes destes, repito, inesquecíveis dias, mas temendo afugentar os queridos leitores com as dezenas de páginas necessárias para tanto, por ora, farei apenas um breve resumo dessa emocionante chegada.
|
Marcondes |
Desde o começo ficara evidente que, entre nós cinco, Marcondes era o corredor com menos experiência. Ele mesmo fazia questão de ressaltar isso. Em seu primeiro trecho, porém, demonstrando uma boa noção de ritmo, ele nos surpreendeu com uma performance bem acima da expectativa geral.
Nos "perde e ganha" da competição, Marcondes assumiu o último trecho do dia na segunda colocação. Há muito tempo que não enxergávamos ninguém atrás da gente e foi com certo assombro que pouco depois de nosso atleta passar pelo km 137, vimos a aproximação da Van da Equipe Papa Léguas.
A ameaça tirou-nos a tranquilidade. Ao que parecia, tentavam nos pressionar psicologicamente, pois apesar das várias aparições da Van (algumas delas estacionando exatamente à frente do nosso atleta, ocupando todo acostamento e obrigando-lhe a usar a BR) em momento algum avistávamos o corredor da Papa Léguas.
Convenci Marcelo Victor a voltar para que averiguássemos a exata distância que nos separava do terceiro lugar. Feita a manobra, constatamos que tínhamos apenas 2,5km de vantagem. Apenas?!
|
"Caminhando contra o vento" |
Depois de uma breve discussão a respeito de ser aquela uma vantagem administrável ou não, o líder de nossa Equipe "jogara a toalha", mas mesmo sabendo do enorme potencial do corredor que vinha em nosso encalço (de manhã ele havia nos ultrapassado e colocado considerável frente), resolvi descer do carro e apostar em Marcondes e, por tabela, na Pé no Chão.
Correndo ao lado de Marcondes pude notar o enorme esforço que ele estava fazendo para defender o time. Evitando passar informações erradas de distância, a todo momento pedia calma ao nosso "Dartagnan" e a toda hora repetia-lhe uma ladainha: "ainda que ele nos ultrapasse não abrirá grande distância".
|
Guga molhando Marcondes |
A cidade de Lages foi se aproximando, Marcondes muitas vezes esteve a ponto de desistir da fuga. "Eu não consigo". O restante da Equipe uniu-se ainda mais para realizar a hidratação/suplementação e, principalmente, derramar água gelada na cabeça do seu representante na pista.
|
Passando em frente à entrada da cidade de Lages para ir fazer o retorno |
Sabia que estávamos nos aproximando também de um ponto crítico. Passamos em frente à entrada da Cidade, mas para completar os 150km tínhamos que seguir ainda na BR por 01 quilômetro, fazer o retorno e finalmente entrar em Lages.
"Caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento".
Entoando algumas canções para distrair o valente Marcondes, enfim alcançamos o retorno. "Agora ele não vai mais 'nos' pegar!" - gritei-lhe, acrescentando:
- Daqui até a chegada na Igreja está faltando 1,5km. Tudo que eu não te cobrei até agora (durante o trajeto havia insistido para que mantivesse um pace confortável) vou te pedir agora. Vamos fazer um fartlek 1 minuto forte por um fraco?
Sorri com a resposta desesperada de Marcondes:
- A gente começa pelo 1 fraco.
- Tá bom. Aquiesci.
Antes de entrar na cidade cruzamos com nosso perseguidor, que parecia estar sofrendo muito também. A Van "inimiga" deu-nos pela primeira vez uma buzinada que aos meus ouvidos soou como: "Parabéns, vocês venceram".
Faltavam 700 metros, Rubem agora também seguia ao nosso lado. Marcondes implorava por uma andada e nós, para que ele seguisse mais um pouquinho.
- Lá está a Igreja.
Sem conseguir conter a ansiedade, Rubem ia literalmente rebocando Marcondes. Estava feito. Vencemos. Ali estávamos mais Equipe do que nunca. Por trás de todo sofrimento era possível enxergar no rosto de nosso herói a felicidade pelo dever cumprido.
Celebramos nossa chegada com um emocionante pai-nosso puxado por Marcelo Victor.
|
Marcondes Rubem, Marcelo Víctor, Guga e eu agradecendo a Deus dentro da Igreja Matriz |
No outro dia Marcondes mais uma vez voltaria a ser a estrela do nosso time. Após passar maus bocados pela manhã e ter falado até em desistência, demonstrando enorme recuperação encarou seus fantasmas interiores e cumpriu a missão de fazer a chegada da Pé de Vento em Natal.
Nesse último dia sucumbiríamos à força (e às manobras) da Equipe Papa Léguas e cairíamos para terceiro lugar, mas aquela vitória (ainda que parcial) que nos foi dada por Marcondes no dia anterior foi uma das mais emocionantes que já tive nesta vida de corredor.